Esta noite, depois do Telejornal, voltará a vestir o casaco grosso e demasiado usado. Antes de sair de casa, beijará a mulher e sorrirá aos filhos que brincam no quarto. Sem palavras, abrirá a porta, acenderá a luz das escadas e chamará o elevador. Ouvirá, então, a velha cabine descer do sétimo andar. Com os pés na alcatifa gasta, pressionará o botão, escolhendo o caminho da rua.
De noite, pouco movimento. Três cães vadios a correr atrás de uma cadela com o cio, um carro a estacionar, uma rua inteira de prédios e gente silenciosos.
Sorumbático, apressado, atravessará a estrada, subirá a pequena ladeira, virando à esquerda antes da escola primária. Os Correios do lado direito e ainda o emudecimento por decreto. A papelaria, a loja vazia e o "arrenda-se" ressequido pelo sol. O talho, o café aberto e a telenovela da noite como cliente. Evitará olhar para o balcão.
Do lado de lá desta outra estrada, que cruzará sem ser na passadeira, olhará novamente em redor, à procura de solidão. Esperará que a luz do supermercado se apague. Ainda um pouco mais até que a última empregada saia. Dois minutos exactos. Cabeça baixa, escondendo a vergonha que lhe impuseram, "ajudai-me Senhor, porque eu sei o que faço", levantará a tampa do contentor.
Vive uma vida conjugada no futuro, de um presente adiado. Não se conformou, ajustou-se. Demasiado pequeno, demasiado insignificante, fará amanhã o que não pode fazer hoje. Ou então na próxima semana, na outra, num mês, em dois. Sabe-se esquecido, mas não se esquece do caminho para casa, onde regressará, com os restos da noite, no resto do dia, e servirá um alimento muito mais nutritivo do que as sobras que disputa, à vez, com outros que tais. Com a dignidade de um jantar em família, perguntará sobre o dia de escola, verificará se os trabalhos de casa foram feitos e prometerá, só para si, que melhores dias virão.
De noite, pouco movimento. Três cães vadios a correr atrás de uma cadela com o cio, um carro a estacionar, uma rua inteira de prédios e gente silenciosos.
Sorumbático, apressado, atravessará a estrada, subirá a pequena ladeira, virando à esquerda antes da escola primária. Os Correios do lado direito e ainda o emudecimento por decreto. A papelaria, a loja vazia e o "arrenda-se" ressequido pelo sol. O talho, o café aberto e a telenovela da noite como cliente. Evitará olhar para o balcão.
Do lado de lá desta outra estrada, que cruzará sem ser na passadeira, olhará novamente em redor, à procura de solidão. Esperará que a luz do supermercado se apague. Ainda um pouco mais até que a última empregada saia. Dois minutos exactos. Cabeça baixa, escondendo a vergonha que lhe impuseram, "ajudai-me Senhor, porque eu sei o que faço", levantará a tampa do contentor.
Vive uma vida conjugada no futuro, de um presente adiado. Não se conformou, ajustou-se. Demasiado pequeno, demasiado insignificante, fará amanhã o que não pode fazer hoje. Ou então na próxima semana, na outra, num mês, em dois. Sabe-se esquecido, mas não se esquece do caminho para casa, onde regressará, com os restos da noite, no resto do dia, e servirá um alimento muito mais nutritivo do que as sobras que disputa, à vez, com outros que tais. Com a dignidade de um jantar em família, perguntará sobre o dia de escola, verificará se os trabalhos de casa foram feitos e prometerá, só para si, que melhores dias virão.
Fraquejará apenas na cama, longa insónia de ideias, ao pensar no disparate em que isto se tornou. Pensará nuns e noutros. Suspirará e depois, em sussurro, longe dele acordar alguém, mandará tudo e todos para a puta que os pariu.