30 de setembro de 2011

Hoje


O toque às cinco e trinta,  última aula, camisola ligeiramente para cima, a descobrir o pulso, para ver o relógio, a professora de Inglês, o toque às seis e vinte. 

Como é que naquele tempo cinquenta minutos demoravam tanto a passar?

Paragem cheia de gente, autocarro, Rodoviária do Sul do Tejo. Torre da Marinha, Casal do Marco, Padaria Central, ponte, auto-estrada lá em baixo, Pinhal de Frades.

Ritmo acelerado, curva à direita, casa do dentista, curva à esquerda, casa da velha, fábrica das batatas fritas Dalimar. Sempre em frente, um prédio, outro, terceiro, quarto. D 27, primeiro esquerdo. Mochila na entrada, à rasca para mijar, casa de banho, ufa.

"Lavaste as mãos?". 

É Sexta-feira. Bom fim-de-semana.

29 de setembro de 2011

Monos

Uma das coisas que aprendi nestes anos que levo entre Angola e Cabo Verde é que tudo tem uma segunda vida. Não estou a fazer poesia, até porque não existe nada de lírico em ter o frigorífico avariado, que foi o que me aconteceu.

Lembro-me de ser garoto e de, lá em casa, sempre que se estragava alguma coisa, a primeira preocupação ser tentar repara-la.

Tudo era passível de conserto. Varinhas mágicas, ferros de engomar, televisões, rádios, máquinas de lavar, de barbear e por aí adiante.

Claro que nesses tempos os electrodomésticos tinham outra resistência, mas acho que o fazíamos, essencialmente, porque a vida nos era mais difícil.

Entretanto, Portugal transformou-se num canteiro de Wortens. Deixou de compensar arranjar o velho, porque passou a sair mais barato comprar novo.

Ainda assim, as coisas mudam quando não está tudo acessível ou quando, estando, o preço é quase pornográfico. 

Aqui onde vivo - cidade onde faltou o fiambre durante um mês - tudo tem uma vida muito para lá de útil. Há sempre alguma coisa a fazer, nem que seja apertar com um arame. Nada de se deita fora. 

A oficina onde deixei o frigorífico parece um cemitério de monos brancos, alguns dos quais meio esventrados, sem partes e peças que passaram para outros à procura de salvação. É que mesmo quando não há nada a fazer, há sempre alguma coisa que pode ser feita.





23 de setembro de 2011

Do Amor, esse filho da puta

... e das horas que ele nos dá.
Sobre esse assunto ouvirás dizer que o amor é onde tudo começa e acaba, a melhor coisa da vida e o que faz mover o mundo. Dir-te-ão que nada supera o acto de. Ouvirás tudo isto, o muito mais que te vão contar, e acreditarás.

Depois, sem saberes ao certo como é que a teoria sobre a qual te disseram se realiza na prática, chegará a hora em que julgarás amar alguém. Será cruel, será duro e dramático. Acharás que morres, que assim não pode ser, que sozinho(a) não és capaz. Beijarás e com esse beijo quererás casar, viver feliz para sempre. Afinal, estarás na idade em que o teu eterno é imediato e terminará algures entre o 8º e o 9º ano. 

Crescerás, ainda bem e ainda assim. Farás sexo com outra pessoa que não aquela. Não vai ser tão bom quanto tinhas imaginado, mas sobre isso falarás com propriedade. Eis-te chegado(a) ao clube dos que amam abaixo da cintura. 

Voltarás a amar mais uma vezes, a apaixonar-te pelo menos - porque entenderás a diferença - e de cada vez olharás para o ridículo do teu passado, do tão estúpido(a) que foste.

Cairás e levantar-te-às. Pensarás ser a última, que desta é que é, que agora nunca mais. E apesar das tuas certezas, andarás em círculos, a fazer hoje o que ontem nem pensar.

Até que um dia repousarás. Perceberás que amor é isto e não aquilo. Nem tão muito como antes, nem tão pouco como depois.

Amar-te-às primeiro e amarás só a quem te ama. Não reverterás a equação. Estarás mais esperto(a), mais atento(a), até mais desconfiado(a). Mas estará pronto(a) para perceber que o teu tempo é o presente.

Porque hoje é o dia e não há momentos certos. Que somos nós que nos temos, mas que também é bom sermos tomados por outro alguém. 

22 de setembro de 2011

Inês


Do que eu gosto nela é do seu pragmatismo, da certeza que coloca à vida e da forma como, tendo idade para não saber grande coisa a seu respeito, tão bem conhece o chão que pisa.

Do seu talento, dos 19 valores como média de final de curso, da ida para estudar e trabalhar em Nova Iorque, dos prémios e da carreira promissora, não tiro nada, a não ser a naturalidade de quem, satisfeito, já esperava que dali resultasse algo que, podendo não ser nestes termos, se-lo-ia sempre em outros, no mínimo, semelhantes. O que me importa é a assertividade que coloca naquilo que faz.

Vi-a crescer, como quem cresce. Tornar-se mulher, como quem se torna mulher. Fazer-se, como quem se faz.  É disso que se trata: ser como quem tem de ser.

Dela ficaria a avó Minda orgulhosa. Do alto do seu metro e cinquenta, sorriria satisfeita por, como era seu desejo, um dos netos ter encontrado na música uma forma de ser feliz.

Boa vida, Inês. Boa vida e boa sorte.

20 de setembro de 2011

O velho


Passado um bocado, com as ideias amaciadas pelo álcool, mantendo ainda a lucidez, revela o seu lado mais sentimental.

As rugas crivadas no rosto conferem-lhe, quase sempre, um ar duro, de homem sofrido, amargurado. Naquele fim de tarde, porém, sentado num banco de madeira gasta, com as costas apoiadas na parede por caiar da sua pequena casa e os olhos postos no mar que, como poucos, e como a nada, conhece bem, o seu rosto diz de si apenas que o tempo passou. "Não te foi fácil esta passagem por aqui, meu velho", parece segredar o lado mais visível da idade.

A garrafa de qualquer coisa forte - pouco interessa o que é, desde que forte - está a menos de um quarto. Existem dois copos. O seu, nunca vazio - embora nunca cheio - poisado por breves segundos na laje de pedra. O outro, do interlocutor que o acompanha naquele fim de tarde, metade cheio, a baloiçar entre dois dedos.

Quem o escuta é muito mais novo. Quem o ouve nas seis e meia do outono em Agosto sou eu próprio. "Está frio aqui", arrisco enquanto me preparo para sentar à sua frente, a não mais de um metro de distância. "Não se sente aí, vai tapar a vista e nunca devemos virar as costas ao mar", avisa, sem responder ao desabafo meteorológico.

"Quer saber o quê, afinal?", pergunta indisposto. Bem sei que foi a contragosto que consentiu receber-me. Chegou àquela fase da vida em que não deve palavras a ninguém. Deve-se a si próprio e, mesmo assim, só para não cair em omissão.

Quero saber tudo, na realidade. Dos tempos passados, das memórias de criança, da primeira vez no mar, dos sustos, as desilusões, o encanto e o seu oposto.

"Já volto", diz, enquanto se levanta. Regressa com a garrafa e os copos. Coloca-os frente a frente, servindo-os. Mira-os, na sua 'bedjice' e estende-me o menos estalado.

Fala. Sobre o que lhe perguntaria e o que não julgava apropriado querer perguntar. Não houve um mote,  um 'como é que...?'. 

Duas horas e trinta minutos de uma existência quase centenária, num monólogo sem interrupções, porque nenhuma faria sentido. Mostro-me atento, interessado. Mais, estou cativado. 

De repente, um silêncio, o primeiro. "A minha vida foi uma merda, sabe? Mas não a trocava por nada". Ergue-se com um ligeiro esgar, arrasta os pés e ao entrar em casa, antes de fechar a porta, avisa: "não se atreva a roubar-me os copos". 


19 de setembro de 2011

Número 42

A Dona Ricardina voltou-se a esquecer de tirar a roupa da corda. Pendurou-a ao final da manhã, altura em que o sol cobre de luz directa a apertada rua e ilumina as fachadas envelhecidas. A humidade que desce neste final de tarde rapidamente poisará sobre as blusas e a saias - negras, do luto - as toalhas e os lençóis - brancos, de simplicidade.

Ainda não se vê o número 42. Ao longo dos 200 metros de ombreiras alinhadas há uma mistura de cheiros no ar. Aqui, torradas e chá. Adiante, a cebola queimada do refogado há demasiado tempo no lume.

Nem todas as casas estão ocupadas. Em muitas, a tinta em sobrepostas camadas começou a sair, desvendando o cimento, também ele envelhecido e rasgado, como se de rugas se tratassem as fendas abertas com os anos.

Uma portada aberta balança com a aragem. Devagar. A espaços, percebe-se o chiar das dobradiças a precisar de óleo.

A estrada é o passeio, mas por aqui passam poucos carros. De vez em quando, como acontece com este Fiat verde escuro, matricula de 92, alguém se lembra de tapar o caminho. De nada servem os avisos da câmara e os reparos dos vizinhos. "Mas custa muito estacionar no parque, merda?"

Pedi ao empreiteiro que pintasse a porta de verde e ele pintou, só que por cima do vermelho que agora se volta a ver.

Cansado, procuro a chave. Bolso da direita, da esquerda; casaco; pasta. "Onde é que a meti?". Um passo atrás, subo o olhar pela parede e procuro luz a sair por uma das janelas no primeiro andar.

Gosto de sítios com história. Às casas, prefiro-as antigas. Sempre que me mudo, transporto comigo o que não deixo para trás. E deixo sempre alguma coisa. Seja um utensílio de cozinha, um varão de cortina, um objecto pessoal dentro da gaveta.

Por isso, quando chego de novo, procuro sempre um sinal da presença que me antecedeu. A mancha de uma quadro que já esteve pendurado, a marca dos móveis no chão de madeira, um pano do pó ou as molas na corda da roupa.

Preciso do que contar. Encontro e invento, como inventada é a parte deste texto que não chegou a acontecer. Imagino. Gosto da sensação de continuidade dos lugares que eram antes de chegarmos e que ficam depois de partirmos.


16 de setembro de 2011

Memória

Riram-se sem saber que era por eles que os outros choravam.

A memória. É também disso que somos feitos. Individual e colectivamente, a nossa história, as recordações que trazemos, as que não vivemos mas que nos contaram, são parte de nós. Há algo mais do que a matéria das carnes.

Algo de intangível e imensurável consubstancia-nos, dá conteúdo à forma. Felizmente, o presente não nos basta, não me basta a mim, pelo menos. 

Perco muito tempo a tentar perceber o porquê das coisas e gosto de enquadrar o hoje no dia anterior. Na minha profissão chamamos-lhe 'dar contexto'. Contextualizar um acontecimento, perceber a conjuntura - causa, efeito - ajuda-nos a inteligir melhor a realidade.

Uma sociedade sem lembrança, sem conhecimento da sua história, é uma sociedade ignorante, irresponsável e, acima de tudo, uma sociedade frágil, exposta.

Não podemos esperar dos outros que assumam a sua condição de parte de um todo, se a eles o colectivo não passa de algo conceptual, sem conversão prática.

Vem isto a propósito de uma conversa recente com um amigo aqui do Mindelo (de Cabo Verde), sobre o que não está a ser feito para posterizar um passado que, gostemos ou não, é o desta cidade. Edifícios históricos são demolidos ou desprezados, calçadas são substituídas por asfalto, riquíssimas colecções de fotografias ficam ao abandono.

A sede pelo progresso, pelo que é moderno, pelo "que se faz lá fora", fazer igual, ser igual, ter igual, tolda-nos o juízo perfeito. Faz de nós carneirada. Estúpidos ao ponto de não percebermos que, se somos iguais, não há diferença que justifique uma visita. Os lugares interessam-nos pela singularidade.

O passado é o que nos une. O suor e as lágrimas que os bravos derramaram, os edifícios que braços fortes ergueram, os poemas que Homens iluminados escreveram.

Existe, em muitos países, a tentação de apagar o que foi, ou parte dele. Fazem-no porque, fazendo-o, nos contam apenas o que lhes interessa que saibamos, não sabendo eles próprios, porém, que uma Nação sem ontem, é, quase de certeza, uma nação sem amanhã. Sozinhos não nos bastamos. 

15 de setembro de 2011

Dos sítios


Se pudesse escolher, sem cuidar de nada mais a não ser da vontade, escolheria morar num espaço híbrido, algures entre o campo e a cidade. Preciso dos dois, ou do melhor de cada um. Do sossego rural e da vivacidade urbana, do silêncio e da confusão, do não acontecer nada e do acontecer tudo.

Sou cosmopolita numa razão não muito exacta. Gosto de me fazer rodear de gente diferente e adapto-me bem a qualquer situação. Sinto-me em casa com facilidade e acho sempre que o sítio onde cheguei é aquele onde vou ficar.

Sou um campónio com muito pouco de agrícola. Não me fascinam por aí além os animais e as plantas, apenas a serenidade, o silêncio, o conforto do conhecido, as noites estreladas e o vento de outono.

Assiste-me uma inquietude e um desassossego inebriantes. Vou, quedo-me, volto a partir. Há nisto algo de epopeico - num canto à escala, sem poesia nenhuma, claro - mas também de profundamente extenuante.

Boa, má; enorme, pequena; Assim é esta sensação de perceber que se pertence a todo o lado, sem se ser (sendo-se cada vez menos) de sítio algum.

Para onde irei, no dia em que quiser voltar?

14 de setembro de 2011

Pepetela

"Quem sabe, talvez a transgressão nunca fosse possível. Mas a granada existiu, essa granada que traçou no ar espantado do planalto a figura da mulher amada. Mas uma granada, mesmo com tal magia, pode materializar um Mundo?"

Foi leitura de um fim-de-semana recente esta Parábola do Cágado Velho. Não leio tanto quanto gostaria,  mas tenho desde há muito o hábito de me fazer acompanhar sempre de um livro. Trago-o comigo e chego a estar uma ou duas semanas sem o tirar de dentro da pasta. Ainda assim, ele lá continua, à espera de ser companhia numa pausa para café. 

Dentro da mesma pasta tenho também um bloco que uso para trabalhar e um outro, mais pequeno, de capa dura, que espera o dia em que me torne escritor, usando-o para posterizar ideias geniais.

Voltando aos livros, consumo-os muito mais quando saio de casa, durante dias de passeio ou mesmo de trabalho, desde que fora da minha área geográfica de todos os dias.

Foi assim com Parábola. Em Santo Antão, encontrei-o por mero acaso numa mesa de cabeceira na casa onde fiquei e, sem pedir autorização à sua proprietária, assumi-o como meu durante as 48 horas que se seguiram.

Gosto do Pepetela. Quando em Luanda, cruzámo-nos algumas vezes em eventos dos quais ambos tomámos parte. Trabalhava na altura para um canal de televisão e entrevistei-o brevemente em duas ou três ocasiões. Consentiu em agendar uma conversa mais demorada, que nunca chegou a acontecer.

Gosto, e volto à palavra porque é de gostar que se trata, da forma como escreve, mas também do seu ar sério e pesado. Nos seus livros, de contos e lendas tão simples, simples era a vida que nós complicámos, há sempre algo mais do que aquilo que o papel nos diz. 

Considero-o um dos maiores escritores africanos da actualidade, como virtuosa é a geração de Homens de letras que representa. 

Sendo eu neto de uma avó e filho de um pai que nasceram e cresceram a amar aquela terra para lá do Equador, sempre que o leio recordo-me das muitas histórias que ouvi enquanto crescia. Lembro-me ainda daquilo que eu próprio experimentei nos meus tempos de Angola.

Tenho tido a oportunidade de viajar, viver e estar em sítios diferentes e distantes uns dos outros. Tenho tido a sorte de conhecer gente extraordinária, que parece pertencer a outro mundo que não o nosso. Pepetela está nessa lista. 



12 de setembro de 2011

Llanto por un hijo

Reuters
Robert Peraza llora en el World Trade Center a su hijo David, que murió hace 10 años en los atentados del 11 de septiembre.... e provavelmente, a foto do ano. 

11 de setembro de 2011

Terrorismo

Dez anos depois, os ecrãs de televisão voltam a encher-se de imagens dos atentados terroristas contra o World Trade Center, em Nova Iorque. Na verdade, tem sido assim desde 2001. Sempre, a 11 de Setembro - quando não noutras datas - os alinhamentos dos telejornais recuperam aqueles minutos que todos já vimos e revimos 1001 vezes.

Terrorismo. Com o mediatismo que só os Estados Unidos conseguem conferir a qualquer acontecimento, a palavra entrou no léxico do cidadão comum e o conceito ganhou uma nova dimensão. 

Não chego a perceber até que ponto entrámos, a partir de então, numa nova ordem mundial. Houve uma renovada preocupação com a segurança global? Talvez. Mas acima de tudo, os atentados e  aameaça da repetição da tragédia têm servido como argumento político para justificar uma mudança de paradigma na forma como os estados se relacionam com os cidadãos (os seus e os outros) e na forma como, com o despudor de sempre, agora enquadrado num dúbio "supremo interesse nacional", as autoridades invadem e condicionam as liberdades individuais.

Ao abrigo da legitima-defesa, permitiram-se, indulgentemente, assassinatos e torturas, invasões de países soberanos, destruição de cidades e guerras sem fim. É que o tal mundo civilizado também faz justiça com as próprias mãos. 

9 de setembro de 2011

Islândia


Reiquejavique, capital da Islândia


"O castigo por não participares na política é acabares 
governado por pessoas piores do que tu"
Platão

Li ontem esta frase no blogue do Rui Tavares e desde então ando com ela na cabeça. Chamem-me chato, mas não me canso de insistir - e vou repetir a ideia tantas vezes quantas forem necessárias - que todos nós, cidadãos que não fazem política partidária, temos também uma grande responsabilidade na situação a que o nosso país. 

Pela nossa inércia, pelo nosso não querer saber, fomos deixando que os políticos profissionais, que, a ciclos, e desde há quarenta anos, governam Portugal, usassem e abusassem da coisa pública.

Ser cidadão, não se resume a ser-se contribuinte. Esse é o papel que que quem está no poder espera de nós.  Para a elite, quanto menos interventivos e conscientes formos, melhor. Ser cidadão é estar vigilante, é zelar pelo bem comum, é fazer parte da colectividade e defende-la como maior que o interesse individual. 

Nestes tempos de FMI fala-se - como tão bem escreveu o Rui - do exemplo islandês. A Islândia não é só retórica. Faz sentido, por ser verdade, apontar o caso de sucesso cívico deste país nórdico insular.

Gosto de estadistas e de líderes de rara elevação. A Portugal de 2011 faltam estes Homens maiores. Mas a Portugal de hoje faltam, acima de tudo, portugueses de vontade e com vontade. Gente de coragem, que pegue no seu próprio destino.

Temos no poder uma direita ultra-conservadora. Temos na oposição um partido que alinha com quem deveria discordar e uma esquerda radical que prefere faltar às reuniões onde se discute o futuro do país (é agora que sou lapidado pelos meus amigos comunistas).

A Islândia é o exemplo de que o mundo é um só, sim, mas que não é, nem precisa de ser, todo igual. 

8 de setembro de 2011

Mindelact 2011

Cartaz oficial da 17ª edição do Mindelact

Começa amanhã, no Mindelo, em São Vicente, a décima sétima edição do Mindelact, o festival internacional de teatro da cidade e uma das manifestações culturais mais importantes não só do país, como de toda a região africana em que Cabo Verde se insere.

Não estou a exagerar. São dezenas de grupos teatrais, actores e actrizes com vivências e percursos tão diferentes, como distintos são os países de onde chegam. Espanha, Brasil, Itália, Portugal, França, Marrocos, Angola, Alemanha, Polónia e, claro, Cabo Verde.

Aliás, a peça de abertura do festival, Bodas de Sangue, de Garcia Lorca, é assinada por um colectivo nacional que, esta sexta-feira, estreará a sua quadragésima sexta produção.

Nesta cidade há teatro. Bom e mau, como em tudo. Mas mais importante do que isso, há iniciativa e capacidade.

Para mim, que só cá estou há dois anos, o Mindelact é uma lição: a prova em como, num país tão marcado pela separação entre quem veste de verde e quem equipa de amarelo, se arregaçarmos as mangas, pusermos de lado o discurso fatalista, as guerrilhas pessoais e as diferenças ideológicas, conseguimos resultados de que todos, todos sem excepção, se podem e devem orgulhar.


7 de setembro de 2011

Silêncios


Não sou grande coisa com sentimentos. Aliás, corrijo-me, sou uma merda com sentimentos. Bom ou mau, prefiro quase sempre guardar o que sinto, ao invés de o dizer imediatamente. Nas relações de amizade e, especialmente, nas amorosas rendo-me ao comodismo do silêncio. 

Claro que isto é um disparate. O som oco das palavras que não são ditas é ainda mais ensurdecedor do que aquele que sai de uma discussão acesa, cheia de argumentos e opiniões. Ninguém preserva para sempre o que, por ser sobre outro alguém, não lhe pertence verdadeiramente.

Talvez por isso seja um pouco rancoroso. Acho sempre que perdoo depressa, que ultrapasso e esqueço o assunto mas afinal, dias, semanas ou meses depois, dou por mim a reavivar tudo, a fazer renascer uma discórdia passada. 

Acontece que as coisas fazem sentido quando fazem sentido. Se alguém me desilude hoje, então hoje é o tempo certo para que se saiba que assim foi.

Gostava de não ligar, de esquecer. Não consigo. Fica tudo aqui dentro, a consumir-me, fingindo dormir mas esgravatando. Faço metade do que quero fazer: evito o confronto, mas não passo por cima.

Sei que esta é uma parte importante da minha personalidade. Mas também sei - e portanto não pensem que me fazem passar por parvo - que não é a essencial. 

Quando estamos chateados com alguém, tendemos a reduzir essa pessoa ao pior dela própria. Como se, de repente, tudo o que de bom ela em nós representa perdesse o sentido. Aos nossos olhos, nem dois braços, nem duas pernas, rosto ou corpo inteiro. Ali, um sujeito que sequer ao nome próprio pode aspirar.

Felizmente, somos sempre mais do que quem olha vê. Felizmente, somos sempre mais do que quem vê quer ver.