13 de julho de 2010

O tudo mais sobre a paixão que o Google não nos diz

E se conseguíssemos mesmo 'googlar' o que alguém sente por nós? Se pudéssemos prever se a nossa mais louca paixão - "ai que eu nunca me senti assim"; "nunca estive tão apaixonado por ninguém" - é correspondida? O que é que fariam se dos génios criativos de Larry Page e Sergey Brin saísse uma forma de nos poupar ao sufoco de ficar minutos, horas, dias intermináveis à espera que o novo "amor da minha vida, agora é que é para sempre, agora é mesmo", nos diga alguma coisa?

Não precisaríamos de nos fazer difíceis, evitaríamos jogar e fingir que não se passa nada. Dormiríamos melhor, estudaríamos e trabalharíamos mais concentrados. Saberíamos, à partida, se o investimento será (seria) ou não recompensado. Pouparíamos vergonhas, embaraços, desilusões, saídas de fininho, dores de cabeça, de dentes e de coração. Caramba, voltaríamos a ser donos e senhores das nossas emoções e esquivar-nos-íamos a expressa-las por aí, ao Deus dará, contra tal "filho(a) da puta, cabrão(a) de merda, camelo(a), dromedário(a), bode, cão, cadela, cavalo e cavala", que embora peixe vai bem na sequência, que insulto é insulto.


Mais: com rigor, terminaríamos uma relação no tempo exacto, no "acabou", porque não haveria dúvida ou esperança que subsistisse ao 'search'. Racionalizaríamos muito mais a vida dos afectos. E, foda-se, daríamos cabo de nós.

Paixão que é paixão tem sofrimento, sangue suor e lágrimas. Agonia, palpitações e variações. Unhas roídas, lápis partidos. Ataques de fúria, gritos, mudez, surdez e até comichão.

A paixão tem de ser trágica: "mas tu não entendes que és único(a)?". Tem de ser dúbia: "o que é queres dizer com isso?". Tem de deixar espaço para a incerteza. Não cabe no 'sinto-me com sorte', porque às vezes é azar.

Uma paixão, daquelas que excitam só de pensar e que tiram a fome para logo depois a devolver como se minguássemos há quinze dias, precisa de fazer suar a palma das mão nervosa e perdida. E precisa de ser escrita em prosa, em verso, quadras pirosas, sonetos horríveis, com rima cruzada, emparelhada, interpelada ou solta, para melhor se levar.

Paixão, 'paixãozona', grande, enorme - ou pequenina, pronto - tem de acabar bem, tem de acabar mal, tem de nunca acabar, para a vida, para o verão, para a tarde, para o tempo que demorar a beber este café: "vá lá, olha para mim, olha, olha, olha. Olá. Credo"

A paixão tem de nos fazer sofrer para, desta vez ou da próxima, nos fazer imensamente felizes, capazes de morrer já aqui, porque, afinal, já estivemos no único lugar onde queríamos estar.

A imagem que deu a ideia foi pescada aqui.


9 de julho de 2010

O Chato*


Como toda a gente, também tem noites más que se seguem, quase sempre, a dias não muito melhores. Nessas noites, ao invés das outras, vai até à varanda. Segura a cerveja numa mão e na outra o cigarro.

Não sendo um grande fumador - o homem não fuma de todo, a não ser nessas noites, digamos, más - preocupa-se pouco com a marca do que leva à boca. Não tem tiques de fumador, não trava e nunca sabe ao certo qual a melhor altura para, num gesto que se esperava seguro, diminuir a cinza do tabaco queimado.

Na sua visão romântica, fumar um cigarro deveria obedecer a todo um ritual. Caramba, não sabendo aquilo a nada, enquanto aceso, deixando a boca a saber a merda, no final, ao menos que seja cerimonial. Mas afinal, até porque já o dissemos, ele não é grande fumador, acaba o cigarro e fica a pensar que o fez demasiado depressa.

Se bem se lembram, contudo, na outra mão - direita, porque fuma com a esquerda - tem a garrafa de cerveja. Não voltará para dentro, deixando sózinha a varanda, a vista limitada pelos prédios altos, e o burburinho das 22 horas, sem acabar os 25 centilitros de água com cevada que, ao contrário de outras coisas, nas quais não é particularmente exigente, tem marca certa e temperatura ideal.

Não o tomem por bêbado. Na realidade, não estivessem estas noites assim tão quentes e teria ido refrescar as ideias só com o cigarro mal fumado.

O problema é que cresceu demasiado depressa e demasiado sozinho. Não se lembra ao certo do que é que andou a fazer até aos dez anos, mas sabe que foi com essa idade que se sentou pela primeira vez a ver um debate na televisão. Azar o seu: muito mais do que os Power Rangers, aquilo é que era animação. Ao virar da sua primeira década de existência deu o passo que o tornaria um chato para o resto da vida.

Por isso, daqui a pouco, quando hesitar entre levar a garrafa para a cozinha ou atira-la para a rua e ver o espectáculo do vidro partido no passeio - Rosseau, não te quero contrariar mas, esta noite, de bom selvagem, este sujeito não vai ter nada - aperceber-se-à que o facto de ter tamanha dificuldade em fazer amigos e, acima de tudo, relacionar-se com pessoas do sexo oposto, é consequência, em grande medida, daquele fatídico frente-a-frente entre Soares e Freitas, em 1986.

Ainda falta um bocado para esse momento. Por enquanto, o pobre coitado - assim curvado, debruçado à procura de um rabo de saias, parece mesmo um infeliz, miserável - só pensa em como é aborrecido viver sozinho no quarto andar de um prédio dos subúrbios da capital, de onde fugiu a tempo de evitar a ordem de despejo dada por um senhorio lógica e justificavelmente enfurecido. E não fosse o apetite voraz da empregada do Pingo Doce - nunca o mundo conheceu uma caixa de supermercado com uma libido em tal estado de sítio - e o tráfego mensal de Internet esgotar-se-ia ao dia dez.

Quando tem as suas noites más, as tais que se seguem a dias não muito bons, é isto que ele faz. Nas outras, as não tão más assim, fica na sala, de comando na mão, absolutamente satisfeito com o que a televisão digital tem para oferecer. Felizmente, isso está prestes a mudar.


* Por favor, não me estou a retratar.

6 de julho de 2010

O Canto da Terra

O senhor meu pai tem um blogue. Como ele gosta muito de plantas, o blogue é quase todo sobre isso. Jardineiros ou não, vejam que vale a pena.