3 de agosto de 2012

Marco


Vamos encontra-lo no chão, ajoelhado, cabeça escondida entre as mãos. A Marco, nada como aquela derrota o fizera sentir-se tão inapto. Tão grande a humilhação. 

Bola no extremo oposto do campo, recolocada em jogo com um pontapé de baliza ao jeito curto, boa recepção, passe ao primeiro toque, evolução rápida no terreno de jogo, o ponta-de-lança desmarcado lá no centro, cruzamento em altura do flanco esquerdo, domínio exemplar com o peito, remate em estilo mais do que em força, Marco voa, sente a redondinha a raspar-lhe na ponta dos dedos e, sem se virar, percebe que as redes abanam com o impacto. 

Tudo menos isso. O jogo perdido a menos de um minuto do final. 

"Anda, acorda". Vira-se para a parede. "Vais chegar tarde". Agarra o lençol para não ser apanhado desprevenido. "Salta da cama". Pensa que talvez possa acabar a punheta no banho. "Sim, posso, mas para isso vou ter que sair da cama neste estado". Leva a mão à pila e, sentindo-a ainda tesa, constrói um plano. Alternativas: levar a roupa e tapar-se com ela, encolher-se, espreitar se o caminho está livre e correr até ao outro lado do corredor, esperar. "Não te volto a avisar". 

Marco não gosta de história. É daquelas disciplinas que não lhe dizem nada. Não que seja um bom aluno, porque não é e não o é mesmo, mas também não se pode dizer que seja mau. Do que Marco não gosta, no que à história diz respeito, é das datas. E dos nomes. Dos nomes e das datas, portanto. Porque, não sendo bom aluno, e também não sendo mau, Marco sabe que se há coisa que jamais saberá  de cor é a data, o lugar e os nomes de quem, onde e quando foi assinado o Tratado de Tordesilhas. Sequer acha relevante, no particular, como no geral que lhe assiste, encher a cabeça de informação que esquecerá não tarda. 

Além das perversões e das mamas da Sara, tem os pensamentos cheios de coordenadas. Latitudes e longitudes dos lugares mais incríveis. O que lhe interessa é viajar. 

Antes de acabar o relatório -  e mesmo sem olhar para o relógio sabe que está atrasado - mira em redor para garantir que está sozinho. Clica na página do browser que esta minimizada na barra de tarefas. À sua frente o sítio onde mais horas perde. Viagens. 

Nunca foi mais longe do que ali ao lado. Todos os dias faz o caminho entre a casa arrendada nos subúrbios da cidade grande e o escritório de seguros na avenida larga.

No balanço, saiu-se mal, percebe-se. Mas há muito que deixou de querer saber. Agora que pensa nisso, talvez desde o dia em que aquela bola entrou.