12 de setembro de 2010

O circo de Carlos Cruz


Indignado, Carlos Cruz passou a última semana entre jornalistas, dando entrevistas e aparecendo em tudo quanto é órgão de comunicação social do país.

Em todas as aparições, além de jurar a pés juntos a sua inocência, houve um outro denominador comum no discurso: a vitimização por, alegadamente, ter sido sempre ele o escolhido pelos media, de cada vez que era preciso ilustrar uma notícia a propósito do processo Casa Pia.

No entanto, aquilo que Cruz lamenta é também resultado do seu próprio comportamento ao longo dos últimos anos de julgamento e já antes, nas fases de investigação e instrução. O ex-apresentador nunca se inibiu de fazer aparições públicas ou justificar-se nas páginas dos jornais, nos microfones da rádio ou perante as câmaras de televisão. A linguagem e o ritmo da comunicação, que conhecerá como poucos e que agora condena, foram e continuam a ser o seu palco privilegiado.

Carlos Cruz expôs-se como ninguém. Não bastassem os minutos de antena e as páginas impressas, criou um site, suscitou a sua visita, usou-o para chamar a opinião pública à sua causa.

Se é legítima e consciente a estratégia utilizada, é mais criticável que, usando-a, venha agora tentar moralizar os jornalistas, acusando-os de terem feito do caso de pedofilia, o "Caso Carlos Cruz". Além de que, para denunciar a sobre-exposição, expõe-se ainda mais.

Tudo é estranho no dossier Casa Pia. O tempo que demorámos a chegar aqui e, mesmo chegados, os dias que são precisos para se conhecer a versão final e completa do acórdão do colectivo de juízes. Problemas de compatibilidade são, digo eu, um utilizador regular de diferentes processadores de texto, argumentos pouco válidos. A não ser que tenha sido utilizado um software soviético, do tempo da Guerra Fria, a comunicação entre programas resolve-se, hoje em dia, com um simples "save as" no formato correcto.

Estranho não é, contudo, que Carlos Cruz seja o epicentro do circo que ajudou a montar. Bem vistas as coisas, talvez nós, jornalistas, pequemos por excesso, sim. Sedentos de notícias e perante um 'easy going guy', esquecemo-nos do essencial: a justiça condenou-o e não seremos nós a absolve-lo.

9 de setembro de 2010

Ordem de expulsão

Como emigrante (ou imigrante, consoante o ponto de vista) que sou, indignam-me comportamentos indignos como os de Sarkozy e do Governo francês contra os cidadãos de países estrangeiros, alguns até naturalizados.

Sejamos francos: de ciganos, ninguém gosta. E não há grande mal nisso, porque é justo não gostar de quem não gosta de nós. A integração de uma comunidade só acontece, por mais programas e políticas inclusivas, havendo vontade própria. Agora, usar uma minoria como arma de arremesso contra sondagens desfavoráveis e fazer da ciganada um argumento para ganhar votos é até um pouco repugnante.

Em Portugal, o ideal era corrermos, não só com os ciganos, como também com os pretos, os ucranianos, os chineses e os brasileiros. As brasileiras podiam ficar, porque têm fama de acrobatas na cama.

No essencial, somos tão intolerantes quanto grotescos e lidamos mal com a diferença. Do que gostamos é de conservar a linhagem, mas se calhar o nosso avô devia ter pensado nisso antes de ir para Angola fazer um filho à criada que tinha em casa.

Numa coisa somos muito parecidos com os franceses: eles e nós, estúpidos como poucos. O que nos distingue é que, agora, eles têm coragem de fazer aquilo que há tanto tempo desejamos.

Puro sangue, nos dias que correm, só os cavalos e apenas porque crescem em cativeiro. A mistura, a mestiçagem e o regabofe genético fazem parte da condição humana e a história já nos devia ter ensinado que selecções raciais dão sempre mau resultado.

O José Falcão, da SOS Racismo, disse-me certa vez que prefere os xenófobos e os racistas que dão a cara. Também eu. Pior do que um francês atrevido, só um português de falinhas mansas, como aqueles que - e nunca me vou esquecer disto - num inquérito que fiz no oitavo ano, me responderam que "racista? nem pensar", para logo a seguir garantirem que jamais beijariam alguém de outra cor.

7 de setembro de 2010

Comentódremo

O país que somos, português como nós, está já ali, por ventura como em nenhum outro sítio, nas caixas de comentários online.

O mais que as redes sociais nos mostram, para lá da libertinagem a que todos nos propomos (e venha daí a treta da privacidade, "oh Facebook, que isso não se faz"), é o acto margoso de percebermos, valha-nos quem valer, que, espremidos, somos mais secos do que as laranjas que vendem no Mindelo.

Para todas as notícias, o português tem uma opinião. Mesmo que não faça ideia do que é ter opinião, ele comenta. Com a facilidade de escrever uns disparates e clicar no 'enviar', destila o veneno da sua essência e mostra ao mundo o quão merdoso consegue ser.

Revolta-se. Sentado na sua secretária, no escritório onde lhe deram um emprego precário, mal pago e bem descontado, refila, vocifera, enerva-se e indigna-se com os políticos - esses filhos da puta - com os empresários - esses caciques - ou com os jogadores da bola - grandes vaidosos, que só querem é ganhar dinheiro para comprar grandes carros, relógios de diamantes e comer mulheres mais bonitas que a gorda que tenho em casa e que esta noite me vai servir, pela terceira vez esta semana, e ainda a semana só tem três dias, massa com carne. Ao menos rapa esses pelos, caralho!

E quando a notícia não é sobre estes, aqueles ou os outros, revolta-se contra o jornalista que a escreveu: "mas que raio de merda é esta? Estes jornalistas são do pior que temos", diz o vendedor de tintas Robbialac, eleita marca de excelência do Readers Digest.

Danadinhos, andamos mas é todos a ter uma vida fraquinha, fraquinha, sem eira nem beira, de aperto em aperto e de cuspidela em cuspidela, como se nos servisse de muito sermos os maiores da escarreteira. Das 9 às 5 é contra tudo e todos. Depois, uma hora extraordinária bem passada - que ninguém nos vai pagar - quando desligamos o computador - isto hoje é que foi trabalhar - passamos pela sala do chefe e cá vai disto "que se não precisa de mim, senhor director, vou indo, para ver se ainda apanho o comboio das 6 e meia".

Não sei se foi sempre assim, mas algures na nossa existência colectiva virámos estes seres híbridos: aborrecidos e desanimados com a vida, enquanto incapazes de fazer qualquer outra coisa, a não ser comentar. Send.