7 de setembro de 2010

Comentódremo

O país que somos, português como nós, está já ali, por ventura como em nenhum outro sítio, nas caixas de comentários online.

O mais que as redes sociais nos mostram, para lá da libertinagem a que todos nos propomos (e venha daí a treta da privacidade, "oh Facebook, que isso não se faz"), é o acto margoso de percebermos, valha-nos quem valer, que, espremidos, somos mais secos do que as laranjas que vendem no Mindelo.

Para todas as notícias, o português tem uma opinião. Mesmo que não faça ideia do que é ter opinião, ele comenta. Com a facilidade de escrever uns disparates e clicar no 'enviar', destila o veneno da sua essência e mostra ao mundo o quão merdoso consegue ser.

Revolta-se. Sentado na sua secretária, no escritório onde lhe deram um emprego precário, mal pago e bem descontado, refila, vocifera, enerva-se e indigna-se com os políticos - esses filhos da puta - com os empresários - esses caciques - ou com os jogadores da bola - grandes vaidosos, que só querem é ganhar dinheiro para comprar grandes carros, relógios de diamantes e comer mulheres mais bonitas que a gorda que tenho em casa e que esta noite me vai servir, pela terceira vez esta semana, e ainda a semana só tem três dias, massa com carne. Ao menos rapa esses pelos, caralho!

E quando a notícia não é sobre estes, aqueles ou os outros, revolta-se contra o jornalista que a escreveu: "mas que raio de merda é esta? Estes jornalistas são do pior que temos", diz o vendedor de tintas Robbialac, eleita marca de excelência do Readers Digest.

Danadinhos, andamos mas é todos a ter uma vida fraquinha, fraquinha, sem eira nem beira, de aperto em aperto e de cuspidela em cuspidela, como se nos servisse de muito sermos os maiores da escarreteira. Das 9 às 5 é contra tudo e todos. Depois, uma hora extraordinária bem passada - que ninguém nos vai pagar - quando desligamos o computador - isto hoje é que foi trabalhar - passamos pela sala do chefe e cá vai disto "que se não precisa de mim, senhor director, vou indo, para ver se ainda apanho o comboio das 6 e meia".

Não sei se foi sempre assim, mas algures na nossa existência colectiva virámos estes seres híbridos: aborrecidos e desanimados com a vida, enquanto incapazes de fazer qualquer outra coisa, a não ser comentar. Send.


4 comentários:

Luz de Estrelas disse...

Muito bom. Eu sou dessas que me zango muito. :D Send.

andorinhaavoaavoa disse...

Comentar ainda é um direito que nos assiste... embora muitos de nós o façamos de uma forma incorrecta, ao achar que os nossos comentários terão algum valor! Enfim... Send.

Libertinna disse...

já tinhamos saudades do teu brilhantismo e da tua escrita inteligente que nos ofende descaradamente mas mesmo assim achamos isso mesmo, brilhante, brilhante!
Podes sempre mudar de nacionalidade e escolher ser destes que apáticos não comentam nada, só sorriem e dizem amen... Send!

Leididi disse...

Que maravilha. Gosto especialmente do 4º parágrafo. Muuuuito bom.