Como toda a gente, também tem noites más que se seguem, quase sempre, a dias não muito melhores. Nessas noites, ao invés das outras, vai até à varanda. Segura a cerveja numa mão e na outra o cigarro.
Não sendo um grande fumador - o homem não fuma de todo, a não ser nessas noites, digamos, más - preocupa-se pouco com a marca do que leva à boca. Não tem tiques de fumador, não trava e nunca sabe ao certo qual a melhor altura para, num gesto que se esperava seguro, diminuir a cinza do tabaco queimado.
Na sua visão romântica, fumar um cigarro deveria obedecer a todo um ritual. Caramba, não sabendo aquilo a nada, enquanto aceso, deixando a boca a saber a merda, no final, ao menos que seja cerimonial. Mas afinal, até porque já o dissemos, ele não é grande fumador, acaba o cigarro e fica a pensar que o fez demasiado depressa.
Se bem se lembram, contudo, na outra mão - direita, porque fuma com a esquerda - tem a garrafa de cerveja. Não voltará para dentro, deixando sózinha a varanda, a vista limitada pelos prédios altos, e o burburinho das 22 horas, sem acabar os 25 centilitros de água com cevada que, ao contrário de outras coisas, nas quais não é particularmente exigente, tem marca certa e temperatura ideal.
Não o tomem por bêbado. Na realidade, não estivessem estas noites assim tão quentes e teria ido refrescar as ideias só com o cigarro mal fumado.
O problema é que cresceu demasiado depressa e demasiado sozinho. Não se lembra ao certo do que é que andou a fazer até aos dez anos, mas sabe que foi com essa idade que se sentou pela primeira vez a ver um debate na televisão. Azar o seu: muito mais do que os Power Rangers, aquilo é que era animação. Ao virar da sua primeira década de existência deu o passo que o tornaria um chato para o resto da vida.
Por isso, daqui a pouco, quando hesitar entre levar a garrafa para a cozinha ou atira-la para a rua e ver o espectáculo do vidro partido no passeio - Rosseau, não te quero contrariar mas, esta noite, de bom selvagem, este sujeito não vai ter nada - aperceber-se-à que o facto de ter tamanha dificuldade em fazer amigos e, acima de tudo, relacionar-se com pessoas do sexo oposto, é consequência, em grande medida, daquele fatídico frente-a-frente entre Soares e Freitas, em 1986.
Ainda falta um bocado para esse momento. Por enquanto, o pobre coitado - assim curvado, debruçado à procura de um rabo de saias, parece mesmo um infeliz, miserável - só pensa em como é aborrecido viver sozinho no quarto andar de um prédio dos subúrbios da capital, de onde fugiu a tempo de evitar a ordem de despejo dada por um senhorio lógica e justificavelmente enfurecido. E não fosse o apetite voraz da empregada do Pingo Doce - nunca o mundo conheceu uma caixa de supermercado com uma libido em tal estado de sítio - e o tráfego mensal de Internet esgotar-se-ia ao dia dez.
Quando tem as suas noites más, as tais que se seguem a dias não muito bons, é isto que ele faz. Nas outras, as não tão más assim, fica na sala, de comando na mão, absolutamente satisfeito com o que a televisão digital tem para oferecer. Felizmente, isso está prestes a mudar.
* Por favor, não me estou a retratar.
Não sendo um grande fumador - o homem não fuma de todo, a não ser nessas noites, digamos, más - preocupa-se pouco com a marca do que leva à boca. Não tem tiques de fumador, não trava e nunca sabe ao certo qual a melhor altura para, num gesto que se esperava seguro, diminuir a cinza do tabaco queimado.
Na sua visão romântica, fumar um cigarro deveria obedecer a todo um ritual. Caramba, não sabendo aquilo a nada, enquanto aceso, deixando a boca a saber a merda, no final, ao menos que seja cerimonial. Mas afinal, até porque já o dissemos, ele não é grande fumador, acaba o cigarro e fica a pensar que o fez demasiado depressa.
Se bem se lembram, contudo, na outra mão - direita, porque fuma com a esquerda - tem a garrafa de cerveja. Não voltará para dentro, deixando sózinha a varanda, a vista limitada pelos prédios altos, e o burburinho das 22 horas, sem acabar os 25 centilitros de água com cevada que, ao contrário de outras coisas, nas quais não é particularmente exigente, tem marca certa e temperatura ideal.
Não o tomem por bêbado. Na realidade, não estivessem estas noites assim tão quentes e teria ido refrescar as ideias só com o cigarro mal fumado.
O problema é que cresceu demasiado depressa e demasiado sozinho. Não se lembra ao certo do que é que andou a fazer até aos dez anos, mas sabe que foi com essa idade que se sentou pela primeira vez a ver um debate na televisão. Azar o seu: muito mais do que os Power Rangers, aquilo é que era animação. Ao virar da sua primeira década de existência deu o passo que o tornaria um chato para o resto da vida.
Por isso, daqui a pouco, quando hesitar entre levar a garrafa para a cozinha ou atira-la para a rua e ver o espectáculo do vidro partido no passeio - Rosseau, não te quero contrariar mas, esta noite, de bom selvagem, este sujeito não vai ter nada - aperceber-se-à que o facto de ter tamanha dificuldade em fazer amigos e, acima de tudo, relacionar-se com pessoas do sexo oposto, é consequência, em grande medida, daquele fatídico frente-a-frente entre Soares e Freitas, em 1986.
Ainda falta um bocado para esse momento. Por enquanto, o pobre coitado - assim curvado, debruçado à procura de um rabo de saias, parece mesmo um infeliz, miserável - só pensa em como é aborrecido viver sozinho no quarto andar de um prédio dos subúrbios da capital, de onde fugiu a tempo de evitar a ordem de despejo dada por um senhorio lógica e justificavelmente enfurecido. E não fosse o apetite voraz da empregada do Pingo Doce - nunca o mundo conheceu uma caixa de supermercado com uma libido em tal estado de sítio - e o tráfego mensal de Internet esgotar-se-ia ao dia dez.
Quando tem as suas noites más, as tais que se seguem a dias não muito bons, é isto que ele faz. Nas outras, as não tão más assim, fica na sala, de comando na mão, absolutamente satisfeito com o que a televisão digital tem para oferecer. Felizmente, isso está prestes a mudar.
* Por favor, não me estou a retratar.
3 comentários:
Essa de fumar um cigarro e ficar com a boca a saber a m... tem que se lhe diga. Achava eu que que ficava com um ar absolutamente irresistível quando, em noites de insónia, ou porque o sacana do chefe me atrofiava o juízo, ou o puto não me deixava dormir, ia para a varanda da sala fazer essa mistura execrável: tabaco mais cerveja...
Não te estás a retratar. Claro que não!
Conhecendo-te como conheço, diria que tanto ele como nós os dois, temos muito em comum. Lembro-me as noites na piscina, sem luz em com mosquitada em barda, onde bebíamos cerveja. Eu fumava e tu queimavas cigarros. Gosto dele, o chato, como gosto de ti! :)
Gostei tanto deste texto (e do outro mais acima) que não se me ocorre nada para dizer. Toma lá um sorriso, ou dois, vá lá que sejam três :):):)
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