Riram-se sem saber que era por eles que os outros choravam.
A memória. É também disso que somos feitos. Individual e colectivamente, a nossa história, as recordações que trazemos, as que não vivemos mas que nos contaram, são parte de nós. Há algo mais do que a matéria das carnes.
Algo de intangível e imensurável consubstancia-nos, dá conteúdo à forma. Felizmente, o presente não nos basta, não me basta a mim, pelo menos.
Perco muito tempo a tentar perceber o porquê das coisas e gosto de enquadrar o hoje no dia anterior. Na minha profissão chamamos-lhe 'dar contexto'. Contextualizar um acontecimento, perceber a conjuntura - causa, efeito - ajuda-nos a inteligir melhor a realidade.
Uma sociedade sem lembrança, sem conhecimento da sua história, é uma sociedade ignorante, irresponsável e, acima de tudo, uma sociedade frágil, exposta.
Não podemos esperar dos outros que assumam a sua condição de parte de um todo, se a eles o colectivo não passa de algo conceptual, sem conversão prática.
Vem isto a propósito de uma conversa recente com um amigo aqui do Mindelo (de Cabo Verde), sobre o que não está a ser feito para posterizar um passado que, gostemos ou não, é o desta cidade. Edifícios históricos são demolidos ou desprezados, calçadas são substituídas por asfalto, riquíssimas colecções de fotografias ficam ao abandono.
A sede pelo progresso, pelo que é moderno, pelo "que se faz lá fora", fazer igual, ser igual, ter igual, tolda-nos o juízo perfeito. Faz de nós carneirada. Estúpidos ao ponto de não percebermos que, se somos iguais, não há diferença que justifique uma visita. Os lugares interessam-nos pela singularidade.
O passado é o que nos une. O suor e as lágrimas que os bravos derramaram, os edifícios que braços fortes ergueram, os poemas que Homens iluminados escreveram.
Existe, em muitos países, a tentação de apagar o que foi, ou parte dele. Fazem-no porque, fazendo-o, nos contam apenas o que lhes interessa que saibamos, não sabendo eles próprios, porém, que uma Nação sem ontem, é, quase de certeza, uma nação sem amanhã. Sozinhos não nos bastamos.
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