16 de novembro de 2011

Ir e voltar

Dias de reencontros e de novos conhecimentos. O regresso à minha primeira morada em Cabo Verde, quase dois anos depois da mudança para o Mindelo.

Uma boa formação, com o lançamento de bases para o que pode ser uma classe jornalística mais atenta e comprometida com as questões ambientais. Trocas de contactos, ideias para reportagens e partilha de pontos de vista.

De ver, gostei do que vi. Uma cidade que aos poucos tenta nascer do caos. É ali que está o centro do país. Um centro demasiado central que deixa pouco para as outras ilhas.

Velhos amigos com vidas diferentes daquelas que tinham quando nos despedimos. Agora casados - de forma - e a viverem os desafios da paternidade.

O café da Achada, a antiga casa no largo dos Negócios Estrangeiros, as rabidantes, a redacção em dia de fecho e até um inusitado pedido para uma reportagem de última hora.

O livro autografado, as escadas até ao último andar, a conversa solta, tu a falar sozinha e o pêlo no teu queixo.

Quarenta e oito horas sem pausas ou intervalos para pensar, se não agora,  quando de regresso ao T1 de Monte Sossego, de novo em São Vicente.



9 de novembro de 2011

Justa medida

Não sou de celebrações. Passam-me ao lado as efemérides. Sou pouco dado a saudosismos e raramente recordo o passado como um tempo melhor do que o de agora.

A verdade é que vivemos um período singular. Somos protagonistas de um momento de mudança. Da tese e da antítese dos dias sairá algo de novo. 

Se quase sempre as dispenso, por vezes sinto falta delas, das certezas. De ter os pés em terra firme, do dia-a-dia inocente, um pêndulo que vai e que vem.

Sou do ser, do estar, do querer e ainda assim o futuro angustia-me. Deixa-me expectante esta coisa de não saber como adjectivar o que está para vir.

Não gosto de exclamações. Interrogo. Mas ainda hoje me surpreendo com a capacidade do Homem para ser o bem e o mal. 

Vivemos (do passado) além do que podíamos, viveremos (do futuro) aquém do verbo, para podermos chegar a viver (do desejo) na justa medida. 

Para onde caminhamos? Estamos a destruir ou a construir? Nisto de ser, somos todos. Não há inocentes que não sejam culpados, nem arguidos com a culpa toda.

Não tenho o que tanto dure como o vazio dos bolsos, o ridículo de uma conta bancária, as roupas usadas e os sapatos gastos, alguns livros, menos discos. E as ideias.

As ideias que me levam e que me trazem. As ideias do nada e as ideias do tudo.

4 de novembro de 2011

Quo vadis São Vicente?


A Assembleia Municipal de São Vicente promoveu um fórum destinado a mostrar uma ilha que vive para lá da crise e do pessimismo. 

Durante oito horas, foram muitos os que subiram ao palco e, do palanque, apresentaram as suas ideias e projectos para o segundo centro urbano de Cabo Verde.

Do balanço do evento, uma nota essencial: o que nos falta em visão estratégica, sobra-nos em imaginação. 

Houve exuberância, extravagância e megalomania. Unidades hoteleiras com centenas de quartos (apesar da taxa de ocupação média dos hotéis e residenciais rondar actualmente os 18%), empreendimentos de vários quilómetros quadrados, prédios com dezenas de andares. Coisas avulso, sem qualquer tipo de enquadramento. Uma espécie de competição para ver quem tem a maior Babel. 

Para a Praça Estrela, antiga Polícia e áreas envolventes, por exemplo, anunciou-se um complexo composto por duas torres de arquitectura moderna.

Aliás, a ausência de cuidado com o meio envolvente foi, como tem sido quase sempre, a nota dominante das apresentações. 

No Mindelo, a julgar por aquilo que se viu - por aquilo que se tem visto - modernidade rima com fachadas espelhadas. O que é velho, tradicional, não interessa, não presta e por isso  pode e deve ser demolido. Foi assim com o Fortim e foi assim com a casa de Adriano Duarte Silva, para nos mantermos num passado recente.

Falou-se de oferta, sem nunca se mencionar a procura. Sabemos quantas camas "vão" existir, quantos apartamentos com chão de mármore "vão" (entre aspas porque felizmente é quase tudo hipotético) nascer, mas ninguém nos disse de onde virão as pessoas que podem ocupar essas camas e comprar as tais casas. É que não será nenhum de nós, parte da maioria que vive com um magro salário e em ginástica orçamental permanente, a faze-lo.

Numa altura em que o mercado imobiliário - tradicional e turístico - está em forte abrandamento a nível mundial, existe em Cabo Verde um grupo de visionários que acredita que o país - nesta como, ao que parece, noutras crises - será capaz de passar à margem deste período de incerteza e contracção. Assim fosse.

São Vicente precisa de uma visão estratégica. De um plano de ordenamento do território claro (e sobre o Plano Director Municipal também há muito por dizer) e de um modelo de desenvolvimento que se baseie não apenas no betão pelo betão. 

A aposta no sector produtivo, gerador de emprego e de riqueza, e com reflexos na balança comercial, deve mobilizar toda a sociedade e deve concentrar a atenção dos privados. 

Se metade - não mais do que isso - do que se sonha investir em jardins do éden, sem noção exacta do nível de retorno, fosse usado para a industrialização e terciarização do país e da ilha em particular, acredito que os ganhos seriam incomensuravelmente maiores.

Sobre o turismo e o imobiliário, existe naturalmente uma margem de crescimento. Mas esse terá de ser alicerçado em princípios completamente diferentes daqueles que estão a ser defendidos. Ao invés de aplaudirmos quem nos promete levar a tocar a lua, deveríamos perceber que, quase sempre, "simple is better". 

Uma intervenção urbanística profunda e séria no centro histórico do Mindelo, acompanhada da diversificação da oferta cultural e da criação de uma conjunto de serviços de apoio ao turista, que o façam sentir verdadeiramente a "experiência cabo-verdiana", farão mais por esta cidade do que 30 arranha-céus.

Queremos prédios gigantescos? Arranjemos pois uma zona virgem da ilha e urbanizemo-la com esse propósito vanguardista.

O turista  que procura ou pode procurar São Vicente quer  e quererá genuinidade e nem isso nós estamos a conseguir oferecer.

A dada altura, no auditório do Centro Cultural, o meu vizinho de fila disse-me em tom jocoso que se todos os projectos apresentados saíssem do papel, passaríamos a viver no Dubai (ainda por cima sem a parte do petróleo). 

A questão, pensei, é que se eu quiser ir ao Dubai, não apanho o avião para Cabo Verde.


Post Scriptum: Antes que mandem o estrangeiro de volta para a terra dele, pela ousadia de ter opinião própria, deixem-me salvaguardar que enquanto eu morar no Mindelo, aqui trabalhar e pagar impostos, tenho todo o direito a ter e a expressar as minhas preocupações em relação a esta cidade. Criticar construtivamente é um exercício de liberdade ao qual todos se deviam dedicar.