E se conseguíssemos mesmo 'googlar' o que alguém sente por nós? Se pudéssemos prever se a nossa mais louca paixão - "ai que eu nunca me senti assim"; "nunca estive tão apaixonado por ninguém" - é correspondida? O que é que fariam se dos génios criativos de Larry Page e Sergey Brin saísse uma forma de nos poupar ao sufoco de ficar minutos, horas, dias intermináveis à espera que o novo "amor da minha vida, agora é que é para sempre, agora é mesmo", nos diga alguma coisa?
Não precisaríamos de nos fazer difíceis, evitaríamos jogar e fingir que não se passa nada. Dormiríamos melhor, estudaríamos e trabalharíamos mais concentrados. Saberíamos, à partida, se o investimento será (seria) ou não recompensado. Pouparíamos vergonhas, embaraços, desilusões, saídas de fininho, dores de cabeça, de dentes e de coração. Caramba, voltaríamos a ser donos e senhores das nossas emoções e esquivar-nos-íamos a expressa-las por aí, ao Deus dará, contra tal "filho(a) da puta, cabrão(a) de merda, camelo(a), dromedário(a), bode, cão, cadela, cavalo e cavala", que embora peixe vai bem na sequência, que insulto é insulto.
Mais: com rigor, terminaríamos uma relação no tempo exacto, no "acabou", porque não haveria dúvida ou esperança que subsistisse ao 'search'. Racionalizaríamos muito mais a vida dos afectos. E, foda-se, daríamos cabo de nós.
Paixão que é paixão tem sofrimento, sangue suor e lágrimas. Agonia, palpitações e variações. Unhas roídas, lápis partidos. Ataques de fúria, gritos, mudez, surdez e até comichão.
A paixão tem de ser trágica: "mas tu não entendes que és único(a)?". Tem de ser dúbia: "o que é queres dizer com isso?". Tem de deixar espaço para a incerteza. Não cabe no 'sinto-me com sorte', porque às vezes é azar.
Uma paixão, daquelas que excitam só de pensar e que tiram a fome para logo depois a devolver como se minguássemos há quinze dias, precisa de fazer suar a palma das mão nervosa e perdida. E precisa de ser escrita em prosa, em verso, quadras pirosas, sonetos horríveis, com rima cruzada, emparelhada, interpelada ou solta, para melhor se levar.
Paixão, 'paixãozona', grande, enorme - ou pequenina, pronto - tem de acabar bem, tem de acabar mal, tem de nunca acabar, para a vida, para o verão, para a tarde, para o tempo que demorar a beber este café: "vá lá, olha para mim, olha, olha, olha. Olá. Credo"
A paixão tem de nos fazer sofrer para, desta vez ou da próxima, nos fazer imensamente felizes, capazes de morrer já aqui, porque, afinal, já estivemos no único lugar onde queríamos estar.
A imagem que deu a ideia foi pescada aqui.