25 de março de 2013

Escuro

Está sentado numa cadeira normal, na sala escura. As duas janelas, uma atrás e outra à esquerda, estão abertas e só as cortinas, leves, separam a rua da casa.

Desligou a televisão, o rádio, o computador e o telemóvel. Há por isso um silêncio apenas quebrado, a espaços, pelo ruído de um carro a passar na estrada calcetada.

Antes de se sentar, tirou a roupa. Descalço, sente o frio do chão.

Estica o braço direito. Toca no corpo nu à sua frente. Acompanha a curva do ombro e, com delicadeza, desce pelo braço. Detém-se a meio caminho. Passa do braço para o seio. Com um dedo apenas, a ponta do dedo, desenha círculos à volta do mamilo, que enrijece. Repete o caminho com a outra mão, no braço esquerdo, primeiro, no peito, depois. Aperta-lhe agora as mamas. O corpo estremece e o seu também. Contraria a vontade que se manifesta e que lhe pede que a tenha logo ali.

Ao mesmo tempo, as duas mãos seguem até ao ventre que lhe parece liso como nenhum outro. A pele - imagina-a como de seda fina - arrepia-se e a barriga contrai-se. 

As pernas estão juntas mas sem aviso separam-se. A mão esquerda continua na barriga, antes de subir novamente até ao peito. A mão direita, dois dedos apenas, percorre o interior da coxa. 

Do sítio até onde chegou já consegue sentir o calor e, quase que jura, o sabor. Espera a aprovação que surge com um ligeiro deslizar para a frente. 

Toca-lhe por fim no sexo húmido, alvo. Primeiro um gemido, depois outro, ao qual se junta pouco depois, em coro, ainda mais um, este mais grave. Finalmente, respirações ofegantes acompanham os gemidos, gemidos e respirações, ofegantes, gemidos, respirações. 

Até que tudo acaba como começou.

Um homem e uma mulher, sentados frente a frente, em cadeiras normais, na sala escura, duas janelas abertas, o chão frio e um carro a passar na rua.


- Não sei que te diga.

- Não preciso que me digas nada.

- Mas é surpreendente.

- Para ti.

- Achas normal?

- Acho uma merda.

- E esperavas?

- Nunca.

- E agora?

- Não faço ideia.

- Pois, presumo que não.

- Café?

- Café.

19 de março de 2013

Do pai João


Deixem-me ser claro: devo-lhe muito. Devo-lhe, por exemplo, e acima de tudo, o carácter forte. Espero um dia dever-lhe também a moral inabalável e a consciência tranquila de quem nunca, deliberadamente, prejudicou o outro. 

Digo-o sem exageros: o meu pai é fabuloso. É isso tudo, por todas as coisas que me ensinou, mas principalmente por tudo aquilo que aprendi com ele, sem que disso tomasse fé. 

O meu pai é um homem bom. Um homem bom, que ama a vida, que ama a terra e as coisas simples. E com isso me ensinou que o amor reproduz-se em mais amor e que a essência da felicidade está guardada em nós e nos actos que praticamos. 

O meu pai é também um homem inteligente. Um conhecedor profundo, um curioso incansável, um investigador determinado. E foi com ele que aprendi a nunca me contentar com um encolher de ombros, a perguntar sempre, por mais estúpida que possa parecer a pergunta. Mas conheci também o valor do silêncio, de nem sempre dizer tudo, porque há coisas que devemos guardar só para nós.

Ao meu pai devo, assim, a maior parte de mim. Aquela em que sou quem quero ser.

À distância de algumas horas de voo, porque foi assim que reconfigurámos o nosso amor, estás sempre comigo, companheiro. Sempre. 

Este é o abraço que te dou.