15 de maio de 2010

Não me lixem a vida

Tivesse sido um acaso, e a coincidência seria perfeita. Acontece que a escolha do Governo para anunciar, esta semana, o aumento - mais do que esperado - das medidas de combate ao sempre presente défice foi tudo menos inocente.

Toda a gente sabe que os portugueses passam a maior parte do ano a dormir, mas não há semana mais perfeita para aprovar e fazer passar medidas que vão directamente aos nossos bolsos, do que aquela que se segue à consagração do Benfica como campeão nacional e na mesma altura em que Bento XVI - mesmo sendo Bento XVI o dono daquela cara que se vê - por cá andava.

Os noticiários televisivos e os jornais tiverem de dividir atenções entre tanto acontecimento. Ontem, no final de um dos telejornais na noite, o pivot dizia, com todo o direito, que esta tinha sido uma semana atípica em termos de produção noticiosa. Pois sim, verdade.

Quem me conhece mais a fundo, no sentido figurado da profundidade, sabe das minhas limitações académicas (ah, Economia do 2º ano) no que a assuntos económicos diz respeito. Ainda assim, não é preciso ser um grande especialista na matéria para perceber que um aumento da receita, ainda que o temporário passe a definitivo, não resolve o problema estrutural que está do lado da despesa.

Reconheça-se, contudo, a inteligência da escolha por um aumento ligeiro da taxa de IRS, (além do IVA e do IRC) ao invés do congelamento do décimo terceiro mês. Os resultados, mais imediatos e o peso, mais discreto. Tão discreto que, facilmente, a medida conjuntural passará a estrutural, sem que ninguém se lembre disso. Com o subsídio de Natal seria diferente. Dificilmente poderia ficar congelado por mais de dois anos, sem causar uma celeuma e um ruído insuportáveis.

A questão é que aumentar a receita, a fórmula usada repetidamente e que, impopular, sempre acaba por ser mais pacífica do que cortar a sério na despesa, limita-se a chutar o problema para a frente. O Estado tem de ser mais magro. Tem de cortar nas prestações sociais. Tem de passar para os privados a tutela parcial de sectores - entre eles, precisamente, a protecção social - tradicionalmente debaixo da sua alçada. Terá de faze-lo, pelo menos, até ao dia em que conseguir convencer os portugueses a ter mais filhos. Em que dê a quem cá mora condições para que as famílias aumentem, contribuindo, desta feita, para o aumento, a médio prazo, da população activa.

Somos um país com cada vez menos gente a trabalhar. Independentemente da curva ascendente do desempro, a verdade é que Portugal tem cada vez menos contribuintes e mais beneficiários e isso implica - implicará - consequências, mesmo que numa situação de contas públicas saudáveis e crescimento económico digno de registo. É aritmética simples (e ainda bem, porque essa cadeira eu fiz sem problemas). Se há mais gente a receber e menos a pagar, só há duas soluções: ou quem paga, paga mais, ou quem recebe, recebe menos.

Não se enganem, sou um homem de esquerda. Defendo um Estado presente e interventivo. O que eu quero é um país inteligente, que proteja quem precisa de ser protegido, mas que não hipoteque o futuro. É que, nessa altura, os que agora vivem sob a sua protecção, já estarão mortos e quem se vai lixar sou eu.

3 comentários:

Alda Couto disse...

E quem fala assim não é gago!!! É isto mesmo. Nem mais.

andorinhaavoaavoa disse...

Tinha saudades deste teu espirito crítico contundente!!! Tens toda a razão!

Helena Teixeira disse...

Olá!
Pois quem se lixa sempre é o Zé Povinho...

Olá! Deixo um convite: Junte-se a nós no dia 10 de Junho, no Convento dos Frades, em Trancoso, num duplo evento: «Encontro de Bloggers e lançamento do livro "Aldeias Históricas de Portugal - Guia Turístico". Para estar presente, envie um mail para aminhaldeia@sapo.pt a solicitar o formulário de inscrição e o programa das festividades. Faça-o com antecedência, pois as inscrições são até dia 2 de Junho.

Abraço
Lena