17 de junho de 2011

Gente feliz

Gosto de gente feliz. Pessoas normais, de bem com o seu passado, confortáveis no presente, mas com uma qualquer inquietude em relação ao futuro. Gente simples, sem grandes traumas. Prefiro as pequenas histórias, o vulgar. No comum também pode haver insólito.

De todos espero o inesperado. De uma maneira geral, seremos sempre, algum dia, se não já hoje, a desilusão de alguém, de repetidos 'alguéns' e de nós próprios. Talvez por isso prefira o concreto e definido. O hoje e o agora, este tempo e espaço, a certeza à dúvida, a clarividência ao seu contrário.

Menino de escola, lembro-me dos dias em que, nas aulas de Língua Portuguesa, estudámos Antero de Quental. Eu, que não sou dado a citações, que não decoro frases para as repetir mais tarde e que guardo pelos lugares comuns um certo repúdio, arrisco contrariar-me. "Razão, irmã do Amor e da Justiça / Mais uma vez escuta a minha prece / É a voz dum coração que te apetece / Duma alma livre, só a ti submissa.". Não desconfia o cabrão do poeta que, preferindo eu saber tantas das coisas que desconheço, nunca me esqueci destes quatro versos.

Fora eu quem quisera ser e em mim estaria a razão pura. Sou apenas um retalho dessa intenção. Analisando-me, descubro-me ali, no meio caminho entre cá e lá.

Com o tempo e a idade que ainda não tenho, talvez isso faça de mim um homem intenso. Por ora, sei que me transforma em alguém de difícil trato. Num amador.

Quem se aproxima de mim deve saber-me assim, uma dúvida. Uma dúvida que não gosta de ser posta em causa, que prefere não ser questionada

Não é fácil lidar comigo. De tão difícil, às vezes eu próprio me fatigo e embora nunca tenha pensado em desistir de mim, sei perfeitamente que esta personalidade estranha e misteriosa não é tão cativante quanto, nos momentos de extremo-amor, presunção e água benta, afirmo ser. 

Este texto não leva a lado nenhum. Terminará abruptamente, sem uma conclusão lógica, um remate certeiro, uma frase brilhante. Nada do que aqui foi escrito figurará na memória de quem por aqui passar. Também eu não. Com o tempo, a curiosidade acaba por se transformar em cansaço, o entusiasmo em fastio, aborrecimento e aversão. 

O eterno é efémero, como efémeras serão para sempre todas as coisas que esperamos nunca ter um fim.

10 de junho de 2011

Português de primeira

No fundo, sou um patriota. Um daqueles com nível, claro. Não preciso de bandeirinhas, nem do Graciano Saga. O Tony basta-me.

Apesar de me irritar com tanta coisa que se passa em Portugal, e apesar de dele estar longe há alguns anos, continuo a arrepiar-me sempre que escuto o hino nacional e emocionar-me quando... bem, na realidade não me emociono com nada. 

Quando estamos longe do nosso país, as coisas ganham outra dimensão. Sem merdas, a feijoada é mais saborosa, os pasteis de nata mais importantes e o Benfica ainda maior.

Uma vez que continuo a ser em Cabo Verde o miserável que era em Portugal, até me abstenho daqueles comentários depreciativos de quem vive fora e regressa à terra Natal uma vez por ano. Não só não tenho um BMW, como, porra, ando quase sempre a pé ou de autocarro.

Gosto de feriados, das datas que eles representam. Escolho três: 25 de Abril, 10 de Junho e 5 de Outubro. A liberdade, Portugal e a república. Também escolhia o Natal, mas isso seria pelas azevias de grão.

Tenho pena de em nenhum dia do ano celebrarmos com o fervor do 4 de Julho norte-americano. Um pouco de nacionalismo bacoco, não sabem o bem que nos fazia. 

Gostamos pouco do nosso país e daí advêm grande parte dos nossos problemas. Quem ama cuida. A mãe pátria mais parece a nossa sogra. 

Não queremos saber e deixamos andar. Irra, desde que não nos venham ao bolso, está tudo bem. Fodam lá essa merda toda. 

Somos pitorescos por isso. Arranjamos heróis onde outros encontrariam cabrões. O Afonso bateu na mãe, o Sebastião borrou-se, o Scolari é brasileiro, e o Sócrates andou seis anos (eis anos e ninguém deu por nada?) a dar cabo do que restava e agora vai para Paris ,estudar filosofia, presumo que aos domingos.

Tenho-o escrito e continuarei a faze-lo: o país que temos é o povo que somos. Seremos mais, quando quisermos mais. Seremos melhores, quando ambicionarmos melhor. Até lá, por aqui estaremos, nós mesmos, só como nós. 

Hoje, aqui, trabalha-se. Vou vestir as cuecas de duas cores, com tanto de verde esperança, como de vermelho sangue. Se encontrar com o que faze-lo, talvez até corte as unhas. À noite, vou ao jantar da embaixada (não se preocupem, o Estado não me está a dar nada, pago 13 euros do meu bolso) e prometo comer que nem um alarve, até não me caber mais nada no bucho. Se ficar até ao fim, ainda peço que me ponham os restos numa caixinha.

Não me levem a mal, sou um português de primeira. Assim fraquinho, igual a vocês.


2 de junho de 2011

Pequenos partidos

No último texto deixei implícito o meu habitual sentido de voto. Deixei também aberta a minha opção para as legislativas de domingo. Entretanto, alguns dias depois, já resolvi o problema. Escolhi um pequeno partido. Fi-lo por simpatia pessoal para com o seu líder. 

Não estou absolutamente convencido da minha decisão, mas exercer a cidadania também é isto: aceitar o risco e assumir as consequências das nossas escolhas.

A verdade é que a maioria dos partidos que, fora da esfera parlamentar, se apresentam às eleições de dia 5 não são mais do que folclore. Qualquer instituição, maior ou menor, política ou não, se quer ser respeitada, tem de se dar ao respeito. Criatividade e originalidade não são sinónimos de imbecilidade. 

Contudo, existem excepções ao senso comum. Grupos de pessoas que, reunidos em torno de um projecto, defendem valores em que acreditam. Talvez não tenham uma visão global da sociedade e pequem por reduzir tudo a duas ou três bandeiras que agitam até à exaustão, mas esses colectivos desempenham um papel fundamental na sociedade.

Como se uma ameaça ao status quo que comentadores e jornalistas percebem e sobre o qual tanto racionalizam, os pequenos partidos são constantemente relegados para um plano secundário. O que dizem, ignorado. O que fazem, esquecido.

O diferente deve ser tratado de forma diferente. Não concordo com quotas (em nenhuma situação) e sei que a informação séria não se faz de calculadora na mão. Quem produz mais matéria informativa deve ser objecto de maior cobertura mediática.

Agora, afastar uma força política - aceite como candidata a um acto eleitoral - dos alinhamentos dos telejornais, das páginas da imprensa e dos noticiários das rádios é transformar a democracia em mero critério jornalístico.

Um critério no qual só cabem aqueles que já chegaram ao poder. Aqueles de quem tanto nos queixamos e repetidamente diabolizamos. "Os mesmos de sempre".

Falemos de debates. Este ano, como em situações anteriores, fizeram-se frente-a-frentes entre os líderes dos "principais partidos". Depois, a RTP juntou todos os outros e abriu a temporada circense com um espectáculo triste de ser visto. Perante aquilo, da parte, o público terá feito o todo.

As providências cautelares que determinaram a realização de debates, envolvendo PCTP/MRPP e MEP com todos os outros partidos dispostos a participar, expôs a forma ridícula e amadora como colectivamente (a nossa justiça é o espelho do que somos enquanto comunidade) lidamos com o pluralismo, com a diversidade e com a divergência.

Claro que é um disparate o espectáculo a que hoje assistimos, com o presidente do Movimento Esperança Portugal a debater, em simultâneo e em três canais diferentes, com outros tantos interlocutores. Mas poderemos nós censura-lo por reivindicar um direito que lhe está consagrado?

Se o comodismo não for demasiado forte, e se as televisões tiraram alguma lição do episódio recente, quando voltarmos a votos, terão encontrado um novo modelo que, servindo a democracia e não as suas próprias agendas, permita a todos os candidatos expor qualidades e fragilidades, tendo muito, pouco ou nada para dizer.

O país não pode ser escolha do editor.