Gosto de gente feliz. Pessoas normais, de bem com o seu passado, confortáveis no presente, mas com uma qualquer inquietude em relação ao futuro. Gente simples, sem grandes traumas. Prefiro as pequenas histórias, o vulgar. No comum também pode haver insólito.
De todos espero o inesperado. De uma maneira geral, seremos sempre, algum dia, se não já hoje, a desilusão de alguém, de repetidos 'alguéns' e de nós próprios. Talvez por isso prefira o concreto e definido. O hoje e o agora, este tempo e espaço, a certeza à dúvida, a clarividência ao seu contrário.
Menino de escola, lembro-me dos dias em que, nas aulas de Língua Portuguesa, estudámos Antero de Quental. Eu, que não sou dado a citações, que não decoro frases para as repetir mais tarde e que guardo pelos lugares comuns um certo repúdio, arrisco contrariar-me. "Razão, irmã do Amor e da Justiça / Mais uma vez escuta a minha prece / É a voz dum coração que te apetece / Duma alma livre, só a ti submissa.". Não desconfia o cabrão do poeta que, preferindo eu saber tantas das coisas que desconheço, nunca me esqueci destes quatro versos.
Fora eu quem quisera ser e em mim estaria a razão pura. Sou apenas um retalho dessa intenção. Analisando-me, descubro-me ali, no meio caminho entre cá e lá.
Com o tempo e a idade que ainda não tenho, talvez isso faça de mim um homem intenso. Por ora, sei que me transforma em alguém de difícil trato. Num amador.
Quem se aproxima de mim deve saber-me assim, uma dúvida. Uma dúvida que não gosta de ser posta em causa, que prefere não ser questionada
Não é fácil lidar comigo. De tão difícil, às vezes eu próprio me fatigo e embora nunca tenha pensado em desistir de mim, sei perfeitamente que esta personalidade estranha e misteriosa não é tão cativante quanto, nos momentos de extremo-amor, presunção e água benta, afirmo ser.
Este texto não leva a lado nenhum. Terminará abruptamente, sem uma conclusão lógica, um remate certeiro, uma frase brilhante. Nada do que aqui foi escrito figurará na memória de quem por aqui passar. Também eu não. Com o tempo, a curiosidade acaba por se transformar em cansaço, o entusiasmo em fastio, aborrecimento e aversão.
O eterno é efémero, como efémeras serão para sempre todas as coisas que esperamos nunca ter um fim.