E perguntava-me ele: mas tu não te enxergas?
E respondia-lhe eu: tu sabes que não tens hipótese.
E terminava, arrancando: olha, emagrece.
Fazia-me sempre assim. Resolvia a conversa com uma frase definitiva
e, sem esperar por resposta - para ele o assunto estava arrumado -
virava costas e seguia caminho.
Bem, talvez a conversa não se tivesse passado por estas mesmas
palavras, mas no essencial o que acontecia ali era um duelo de
testosterona adolescente de quem, quando não ocupado a roubar
chocolates, se empenhava na mais nobre das conquistas.
Lembrar-me-ei para sempre das prolongadas discussões, mas de nenhuma como daquela em que, quase chegando a vias de facto, disputávamos Joana, a miúda mais gira do liceu.
Joana destacava-se, digamos assim. Era crescida para a idade e, contudo, o que mais se evidenciava era a desenvoltura a falar, a certeza dos gestos - caramba, pois se até no sentar se notava a elegância - e, todas a paixões têm o seu lado trágico, a indiferença com que, sem alguma vez sequer vacilar, nos brindava em todos os intervalos.
Derradeira esperança aquela do fatídico baile de finalistas, uma aproximação estudada até ao mais ínfimo detalhe e também ela um gigantesco fracasso.
Porque, se a obrigarmos, ela vai ter que escolher. É isso, ela que escolha.
Horas de preparação, fato pela primeira vez, camisa berrante, como se usava na altura, e gravata com bonecos, como também era moda. A barba inexistente aparada com rigor.
Não tinha como falhar. Um de nós subiria ao céu nessa noite. O outro, preterido, caminharia sozinho para o inferno. Confrontada, Joana escolheria.
E Joana escolheu. Escolheu sem sequer nos olhar. Preferiu o miúdo loiro, cabelo à tigela e brinco na orelha direita - Joanaaaaaaa, furo nessa orelha, só pode ser gay, ou paneleiro, como se dizia.
Perdemos nessa noite e perdemo-nos para sempre. Primeiro a ela e depois um ao outro.
Joana, que hoje passou por mim numa rua da cidade, já não tem um rabo fenomenal. Não que o rabo esteja pior - talvez mais gordo - mas com os anos vi outros melhores.
Pensei em para-la, agarra-la por um braço e, com a desfaçatez de quem já passou dos quarenta, dizer-lhe: miúda, naquela noite, era suposto teres ficado comigo.
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