16 de fevereiro de 2008

O Vitor Burgo

O Vítor Burgo foi meu colega de redacção. Trabalhámos juntos não mais do que uma semana, até ao dia em que chegou com demasiado tinto no sangue. Lembro-me que se sentou nas escadas, completamente desorientado. Lamentou, pediu desculpa, "não se volta a repetir", mas de nada serviou, pois então.

Soube, entretanto, que a heroína falou mais alto e a carreira, brilhante, dizia-se, foi aniquilada, provavelmente para sempre.

Ontem encontrei-o, no meio da rua, inesperadamente. Não me reconheceu, mas falou-me como se fossemos grandes amigos, apenas porque me pediu um cigarro eu respondi que não tinha e que ele também não devia fumar.

Foi a casa buscar uma velha pasta, de onde retirou um caderno com um livro inacabado e outro com histórias do seu tempo na Bósnia. Falou sem pudor do seu problema com as drogas e lamentou algumas opções que tomou.

Contou-me episódios de uma vida atribulada, maravilhou-se e maravilhou-me com o seu passado, parte do qual eu já conhecia, sem ele saber. Em momento algum fiz por lhe avivar a memória. Continuou e continua sem saber quem sou, mesmo depois de me ter pedido para tirar os óculos: "tens olhos de quem já é um grande jornalista. És intuitivo", disse.

O Vítor Burgo é um herói, apenas porque ama o jornalismo como poucos e muito mais do que eu próprio.

Numa folha branca escreveu nome completo, morada, telefone de casa e telemóvel.

Deu-me um abraço e foi-se embora.

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