25 de março de 2008

A minha casa, na minha rua

Na rua onde eu moro nunca aconteceu nada de especial. Talvez exista, entre o 17 e o 19, um alcoolico, um galdério e um adúltero. Sim, existirão. Ela não quer saber dos filhos e ele não ajuda em nada. Agora, de especial, nunca aconteceu nada.

Aqui moram tão poucos que é raro passar alguém. De dia, não se encontram senhoras com pão e fruta fresca e de noite não há grupos de meninas a caminho dos bares da moda. Se, depois do jantar, debruçar-me na janela do quarto, não vou ver ninguém a não ser o cão do vizinho, que voltou a ficar do lado de fora do portão e que vai passar a noite a latir.

A minha rua, "e se esta rua fosse minha", pode não ter a vida próprias das ingremes ruelas de bairro típico, mas a minha rua, "eu mandava-a ladrilhar", tem um "não sei bem o quê", que faz gostar-se dela.

Tem o camionista, que talvez seja gay. O marreco, deixado pela mulher. A filha do marreco, que veste igual desde o tempo em que o Veloso ainda jogava. Os filhos da filha do marreco, que cresceram e ficaram "tão bons rapazes, quem diria?".

Na rua que é minha, "com o brilho dos teus olhos", está o meu prédio, que não é meu. Cheira a peixe frito, quando a vizinha do direito do meu esquerdo não abre a janela. Soa a bordel, se a do segundo se esforça mais um pouco.

A minha rua, na minha rua, o meu prédio, a minha casa. E eu. Aqui.

4 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muito deste post.

Nuno Andrade Ferreira disse...

Obrigado.

Mak disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mak disse...

"Soa a bordel, se a do segundo se esforça mais um pouco."

esta frase 'tá do crl!

(nada como elogiar a construção gramatical e o sentido poético de uma frase, e mandar uma car*lh*da ao mesmo tempo)

Bom post!

(vou ali acalmar o Camões que está farto de dar voltas na campa!)