12 de março de 2009

Café para dois

Em 2007, com a minha amiga Daniela fiz uma espécie de jogo. Ela no Porto, eu em Lisboa e uma história escrita a meias. A história não acabou, mas ficaram coisas giras guardadas até um dia. Hoje pego num pouco da história e trago-a para o brilho das luzes.

V
Subiu as escadas e desiludiu-se com o dia para estes lados da cidade. Compra o jornal, que lê do fim para o princípio. Gosta de começar pelas notícias que interessam menos e deixar o clímax para a hora de almoço.
Naquela manhã cinzenta, ameaçada pela chuva, fica a saber que a apresentadora de um programa de televisão, que não vê, está grávida pela segunda vez. Sorri e pensa: “estava com pressa, esta”.
Toma o café, como todas as manhãs, numa pastelaria apinhada de gente. No meio da multidão é mais fácil passar despercebida. Sente-se sozinha no meio de tantos e gosta. Há uns anos atrás, dois, três, talvez ficasse incomodada, mas hoje prefere o anonimato que os sítios apertados conferem. Há tanto em que reparar, que o mais provável é ninguém reparar nela.
Bebe o café com meio pacote de açúcar. Não tem a mania das dietas, mas um dia decidiu começar a reduzir nos doces e, excepção feita a breves recaídas, tem-se saído bem. Passou pela fase do ‘breakfast tea’, mas o estranho olhar do empregado de balcão, seguido de um inquisitório "diga?!", fez com que mudasse de ideias. Regressou à bica, palavra que nunca usa, por acha-la particularmente vazia de conteúdo, e não arriscou outras inovações ao melhor estilo inglês.
Cafeína ingerida, prepara-se para sair. Sente, contudo, qualquer coisa desconfortável. Inspecciona, ao longe, o estado de salubridade do WC e atesta que não vai sair de lá com nenhuma barata a trepar-lhe pelas pernas.
- Olha lá para ti. O que é que está torto ou fora do sítio? – questiona-se – Merda, sujei-me!

Sem comentários: