Aqueles óculos, Ray Ban, massa castanha, redondos, fora de moda, arqueados pelo uso, há muito que pedem reforma. O olhar, humedecido por lágrimas, pede compaixão. Desce a avenida, em passo titubeante, enquanto espera a atenção voluntária dos transeuntes, que jamais chegará. Perante a indiferença de quem passa, e acelera o caminhar, obriga-se a abordar – talvez não ao acaso – alguém.
Pede desculpa. Repete o pedido, uma e outra vez. Insiste.
Um sorriso, de quem ouve, e um pensamento: “Ok, calhou-nos um doido”. A história, revelada em palavras e trejeitos poucos seguros. Nem uma ideia clara. Emprego, mulher, casa, fome. Fome? “Não quero passar fome”.
O regresso ao começo. Pede desculpa. Repete o pedido, uma e outra vez. Insiste. Quer dinheiro. Pouco. Não tão pouco, quanto pouco.
Desapareceu o sorriso. Ouve-se com mais atenção aquele que agora aperta o braço de quem passava, de quem apressou o passo, mas foi impelido a parar por um “desculpem” (ainda que respondido com um sorriso jocoso).
Qual o tamanho da indiferença humana? Onde está a linha que marca a fronteira entre desconfiar, acreditar e entregar? Quanto vale a ajuda? O que é ajudar?
A indiferença, condição das passadas largas de quem não quer ser incomodado com perguntas parvas e abordagens bacocas, quebrada por um chorar ligeiro – ninguém chora sem querer, se não souber fingir chorar – pode tornar-se sentido entendimento.
Vinte euros matam a fome ou selam uma história que preferimos manter calada?
Digo-te, não sei o que vais fazer a esse dinheiro – tão pouco para ti, se falas verdade e tanto para mim, que desconheço porque fiz dele oferenda. Não sei se me mentiste, mas talvez a nota que, dobrada, guardaste no bolso, mesmo antes de pedires ajuda para atravessar a estrada e me dares a mão, como se fosses meu pai, tenha servido para sossegar uma alma inquieta, sedenta de boas acções. A minha.
Pede desculpa. Repete o pedido, uma e outra vez. Insiste.
Um sorriso, de quem ouve, e um pensamento: “Ok, calhou-nos um doido”. A história, revelada em palavras e trejeitos poucos seguros. Nem uma ideia clara. Emprego, mulher, casa, fome. Fome? “Não quero passar fome”.
O regresso ao começo. Pede desculpa. Repete o pedido, uma e outra vez. Insiste. Quer dinheiro. Pouco. Não tão pouco, quanto pouco.
Desapareceu o sorriso. Ouve-se com mais atenção aquele que agora aperta o braço de quem passava, de quem apressou o passo, mas foi impelido a parar por um “desculpem” (ainda que respondido com um sorriso jocoso).
Qual o tamanho da indiferença humana? Onde está a linha que marca a fronteira entre desconfiar, acreditar e entregar? Quanto vale a ajuda? O que é ajudar?
A indiferença, condição das passadas largas de quem não quer ser incomodado com perguntas parvas e abordagens bacocas, quebrada por um chorar ligeiro – ninguém chora sem querer, se não souber fingir chorar – pode tornar-se sentido entendimento.
Vinte euros matam a fome ou selam uma história que preferimos manter calada?
Digo-te, não sei o que vais fazer a esse dinheiro – tão pouco para ti, se falas verdade e tanto para mim, que desconheço porque fiz dele oferenda. Não sei se me mentiste, mas talvez a nota que, dobrada, guardaste no bolso, mesmo antes de pedires ajuda para atravessar a estrada e me dares a mão, como se fosses meu pai, tenha servido para sossegar uma alma inquieta, sedenta de boas acções. A minha.