27 de julho de 2008

Na avenida

Aqueles óculos, Ray Ban, massa castanha, redondos, fora de moda, arqueados pelo uso, há muito que pedem reforma. O olhar, humedecido por lágrimas, pede compaixão. Desce a avenida, em passo titubeante, enquanto espera a atenção voluntária dos transeuntes, que jamais chegará. Perante a indiferença de quem passa, e acelera o caminhar, obriga-se a abordar – talvez não ao acaso – alguém.

Pede desculpa. Repete o pedido, uma e outra vez. Insiste.

Um sorriso, de quem ouve, e um pensamento: “Ok, calhou-nos um doido”. A história, revelada em palavras e trejeitos poucos seguros. Nem uma ideia clara. Emprego, mulher, casa, fome. Fome? “Não quero passar fome”.

O regresso ao começo. Pede desculpa. Repete o pedido, uma e outra vez. Insiste. Quer dinheiro. Pouco. Não tão pouco, quanto pouco.

Desapareceu o sorriso. Ouve-se com mais atenção aquele que agora aperta o braço de quem passava, de quem apressou o passo, mas foi impelido a parar por um “desculpem” (ainda que respondido com um sorriso jocoso).

Qual o tamanho da indiferença humana? Onde está a linha que marca a fronteira entre desconfiar, acreditar e entregar? Quanto vale a ajuda? O que é ajudar?

A indiferença, condição das passadas largas de quem não quer ser incomodado com perguntas parvas e abordagens bacocas, quebrada por um chorar ligeiro – ninguém chora sem querer, se não souber fingir chorar – pode tornar-se sentido entendimento.

Vinte euros matam a fome ou selam uma história que preferimos manter calada?

Digo-te, não sei o que vais fazer a esse dinheiro – tão pouco para ti, se falas verdade e tanto para mim, que desconheço porque fiz dele oferenda. Não sei se me mentiste, mas talvez a nota que, dobrada, guardaste no bolso, mesmo antes de pedires ajuda para atravessar a estrada e me dares a mão, como se fosses meu pai, tenha servido para sossegar uma alma inquieta, sedenta de boas acções. A minha.

21 de julho de 2008

Da mocidade*


Quando miúdo, os meus heróis eram o He-Man, o Justiceiro e o BA, do A Team. Agora, enterrados os defensores da lei e da verdade, a ‘criançada’ ficciona, não com um imaginário fantástico, de gente com poderes únicos ou acessórios fantásticos, mas com sujeitos que representam uma espécie de mito urbano, como se os sonhos dos mais novos coubessem todos num personagem de série juvenil.

Não sei se sabem quem é a Hannah Montana. Permitam-me, pois, apresenta-la (e obrigado Wikipedia).

Hannah tem 14 anos, acaba de chegar a Malibu. Juntamente com os seus melhores amigos, Lilly e Oliver, vive todo o tipo de aventuras na escola, nomeadamente, o esforço para impressionar o rapaz de quem gosta. Apesar dos seus colegas não o saberem, ela é também uma famosa cantora, o que a faz viver uma vida de sonho, com muito glamour.

Acontece que a jovem veio agora dizer, na vida real, que «eu creio que não ter relações sexuais é uma obrigação». Está parva, só pode. Ou então tinha o pai ao lado.

Primeiro, porque toda a gente sabe que não há adolescente de 14 anos que conserve pureza intelectual, que lhe permita dizer, sem estar debaixo do efeito de uma substância estupefaciente, que ser virgem é que é fixe. Depois, a Britney também garantia o mesmo e agora é só ver no que deu tanta virgindade. É por isso que gosto de ver os Morangos com Açúcar, onde a sexualidade, as drogas e a desgraça se misturam, no espelho partido do que é a vida dos queques da linha. Imaculadas como a Hannah só me fazem rir.

Recordo-me, com exactidão, do meu tempo de adolescente. Das conversas com o Rui e com o André (credo, Rui, estás tão bimbo, homem). Lembro-me, na perfeição, de quando encontrámos as revistas porno ao pé da escola. Que grande tesouro, aquele (e tão gastas que ficaram as suas 60 páginas).

A revistas, quase tão preciosas quanto o primeiro pelo púbico, sinal de maturidade e masculinidade. A mim aconteceu a arbitrariedade de, ao primeiro, terem vindo muitos menos do que eu esperava e desejava. O meu “amacacamento” não foi além de um tufo ligeiro, de perímetro limitado e personalidade pouco assertiva. Pelos no peito, nem vê-los. Nas axilas, loiros. Nas pernas, sem intensidade.

E perguntam vocês: oh Nuno e “aquilo”? Feliz ou infelizmente, não se proporcionou fazermos “aquilo” em grupo, mas relatávamos uns aos outros como é que era. O André, mais detalhado, chegava a cronometrar o tempo entre o começo e o fim… do jogo de Elifoot.

O Rui tirava-lhe as medidas, mas já deixei entender que o rapaz era, de todos nós, o mais infeliz. Sei que o meu era o “Senhor Imponente” – os balneários, senhores, os balneários – embora, dado o termo de comparação, não tenha grandes motivos de orgulho.

No nosso tempo não havia Hannah Montana, mas existisse ela e, com toda a certeza, imaginaríamos fazer-lhe o mesmo que pensámos fazer à Cindy Crawford. Agora, sonhar com heroínas virgens e angelicais? Poupem-me. Para isso há a catequese.


* para a revista Vida Lusa - França - de Agosto

Aviso à navegação:

Meus queridos, meus queridos, ainda cá estou. Estou e estarei... mas não por muito tempo. E porquê? Porque os vistos dos expatriados (assim somos nós) atrasaram-se e daí que continuamos em terra. Agradeço os vossos votos de boa viagem. Comoveram-me até as muitas mensagens que recebi durante o dia. Vou guarda-los até nova data, que será dentro em breve.

Tinha a mala quase arrumada. Despedi-me de toda a gente e continuo por cá. Em todo o caso, são apenas alguns dias até ficar, definitivamente, longe daqui.

20 de julho de 2008

2 anos a Marchar


Apesar de apenas escrito a 21, este post recebe a data de 20, porque é assim que deve ser. Tinha por intenção faze-lo publicar no limiar do dia certo, mas cuidei de adormece até há pouco. Entre sonos, dedico-me a breves linhas.

Este blog não é o diário dos meus dias e talvez por isso nunca tenha passado de um endereço "relativamente visitado", o que quer que isso signifique. Tenho leitores fieis. Tenho a Joana, a Diana, a Cátia e a minha tia. O Raminhos, a Mariana, a Maria e a Paula. Também umas dezenas (largas) de leitores diários, de quem desconfio ou desconheço por completo.

Não é por vocês que escrevo, mas gosto de saber que passam por cá. Ainda não acabei o que tinha para fazer e por isso, não só, mas também, continuarei adiante. A Marcha dos Pinguins continuará a ser o meu blog e não o tomem por garantido, embora o possam assumir como quase certo.

17 de julho de 2008

Três sugestões


Tropa de Elite


Confirma os créditos com que chegou a Portugal. Um bom filme, com uma óptima realização e cuidados trabalhos do elenco.



Le Corbusier


A exposição sobre um dos mais influentes arquitectos do século XX (que até nasceu no século XIX). No museu Berardo, que continua a ter "free entry".



Drive-in


No Fórum Montijo, até Domingo, um drive-in de entrada livre. Sempre às 22h00, ao melhor estilo dos States. Estacionam, sintonizam o rádio (em 107.9) e recostam o banco.

14 de julho de 2008

Preparativos III

Tenho uma mala (e na volta dizem-me que devia ter optado por duas). Tenho uma pilha de roupa, entre coisas novas e outras que já pus de lado ("roupa fresca e um agasalho, porque à noite arrefece").

Comprei um Mp3 novo, e já dei cabo dos seus gigas, com coisas que não vou ouvir e que estão lá so porque sim. Pedi fotografias, ao invés de impor a minha escolha.

Vi a data da partida ser adiada duas vezes e não sei se não será uma terceira.

8 de julho de 2008

Mas quem é que deixa o Vitalino Canas falar em público?

Preparativos II

O que levar na mala? Como perceber o que é que faz ou não falta? Que tipo de roupa escolher? Que quantidade de mudas levar?

Já saí do país muitas vezes - a maior parte das quais sem companhia - mas nunca de forma permanente (não confundir com definitiva). Do lado de lá do hemisfério aguarda-me um país que não conheço, a não ser das histórias que ouvi contar, algumas em forma de lendas, da boca do meu pai e da minha avó.

Sim, eles são angolanos e talvez isto seja tema para outro post.

Dou por mim, enquanto vou, aos poucos, preparando o que tenho que levar - fiz uma lista com escolhas surpreendentes - a pensar que, se me faltar alguma coisa, estarei longe de mais, no espaço e no tempo, para voltar a casa. Não será como perder o dinheiro da gasolina e da portagem, porque "gaita, aquilo faz-me demasiada falta, voltamos!".

Faço votos (pessoais) para levar tudo quanto preciso. E precisarei, muito mais do que da roupa, de coisas me façam lembrar a minha casa, a minha gente e o cheiro do meu país.

Preparativos I

Não sou nem piegas, nem "mariquinhas". Dou-me bem com seringas e hospitais, e não me assusta nada a possibilidade de ser picado. Aliás, deve ser por isso que cedo me inscrevi como dador de medula e há muitos anos que sou dador de sangue [parece que em Luanda, no Roque Santeiro - o maior mercado ao ar livre do mundo - posso fazer bom dinheiro com o meu sangue].

A propósito da minha viagem rumo a Luanda, passei hoje a manhã no Centro de Saúde de Sete Rios. Para quem ainda não teve oportunidade de viajar até África (eu não tive), a informação vale para o futuro, porque é lá que funciona o Centro de Vacinação Internacional e é na sala, ao fundo do corredor, no piso 3, que um homem (cativante e bonito, como eu) é marcado para a vida.

A vacina da Febre Amarela é obrigatória para entrar na generalidade dos países Africanos. Trata-se de uma vacina viva. No fundo, somos injectados com "uma pequena doença, que vai prevenir uma doença maior", nas palavras da enfermeira Erika, que cuidou de me proteger contra uma série de maleitas [Por favor, Diana, não desvalorizes o meu conhecimento sobre este assunto].

Se não tivesse deixado passar o tempo devido, por esta altura livrava-me da ampola do Tétano e talvez até me poupasse ao reforço da Hepatite. A isto, junta-se o tratamento preventivo da Malária, e o repelente de mosquitos, em forma de comprimido.

Se não morrer doente, tombarei por excesso de saúde.

4 de julho de 2008

O depois e o destino

Estes dias, do pós-rádio, são de azáfama, acima de tudo, mental. O processo que me leva a largar um sítio no qual passei oito anos, ao mesmo tempo que entro, aos poucos, nem sempre com facilidade, num novo ritmo, numa nova forma de trabalhar, pode ser inquietante. Tento encontrar a certeza da serenidade, mas sei que ela ainda vai demorar a chegar.

Ainda não estou em funções e por um lado agradeço o facto de poder respirar entre redacções. Contudo, ao mesmo tempo (e por outro lado), o tempo livre (não tão livre quanto isso), deixa-me demasiado tempo para pensar e imaginar um futuro que, bem vistas as coisas, é impossivel de imaginar. Lamento-me por isso, embora saiba que nada mais posso fazer, que não contentar-me com o facto de que "é assim e pronto".

Talvez aqui valha a pena dizer para onde vou. E assim perceberão melhor a minha inquietude.

Guardei segredo, até a muitos dos que me rodeiam, por algum pudor em falar de algo que cuidava de não ser certeza. Agora, consumadas as possibilidades, posso revelar, levemente, que parto para Angola.

Tive ontem uma reunião com outros "expatriados" - é assim que nos chamam - e percebi que não sou só eu quem está em processo de separação da pátria, dos amigos e da família, claro. Não sei se me sossegou o ecnontro de tantas as caras estranhas - de onde nascerão, provavelmente, os meus novos amigos. Senti-me, como me sinto sempre em ambientes estranhos, desconfiado. Tendo a desconfiar da novidade, até ela se me entranhar, embora raramente a rejeite.

Hoje foi dia de médico. Trago da consulta um cardápio de vacinas por tomar e recomendações de contexto. Aposto que se perguntasse ao sujeito que me levou 40 euros, "para que país vou eu?", ele não conseguiria responder, a não ser por aproximação.

Tenho planos para quase todos os dias da próxima semana e não sei onde fica a intenção de descansar um pouco.

Vejo-me na vida, com a vida a mudar.

1 de julho de 2008

17 de Julho de 2000


Comecei a fazer rádio com 17 anos e nunca parei. Já lá vão uns anos valentes. Sempre soube que queria ser jornalista, mas nunca pensei que se concretizasse da forma como acabou por acontecer. Lembro-me de, na escola secundária, passar noites na biblioteca, às voltas com o programa de paginação. Depois disso, enquanto fingia estudar para os exames, lembrei-me de bater à porta da rádio cá da terra, onde estava apostado em passar as férias.

Passei as férias, o Outono e os oito anos que se seguiram. Até hoje.

Pelo meio fui fazendo contactos. Fui escrevendo para outros sítios e fui aprendendo. Passei por jornais revistas e até pela Lusa. E aprendi muito, de facto. Da rádio, à imprensa, sem nunca deixar o estúdio, esta redacção e estes colegas. Vi muita gente chegar, partir e ficar. Fiz poucos amigos, de facto, e é desses poucos que agora me despeço. Despeço-me da minha secretária junto à janela, da parede cheia de postais e do "pote dos obséquios".

Não tenho medo de mudar, mas entristeceu-me, num só dia, colocar um ponto final em tantos vínculos, mais ou menos precários, até inexistentes.

Acho que vou para melhor (e por enquanto não digo para onde). Se não for, tanto pior. Assumirei a responsabilidade da minha decisão, que depende apenas de mim. Vou deixar de ter três empregos e com um só vou ganhar três vezes mais do que com todos eles juntos.

Somos o que decidimos ser e eu decidi [porque posso decidir] que está na hora de mudar.

Até já ou então não.