6 de janeiro de 2011

Assange


Continuo sem certezas a propósito do Wikileaks. Sem ser verdadeiramente inovadora - a divulgação de informações mais ou menos secretas é, no essencial, uma vertente fundamental do jornalismo - o site sueco introduziu como novidade o volume de documentos disponibilizados num curto espaço de tempo. São milhares de páginas, sem qualquer tipo de tratamento, sujeitas apenas ao escrutínio de quem se der ao trabalho de as ler.

Curiosamente, o impacto directo do Wikileaks é muito reduzido. Quantos de vocês já foram ao portal e fizerem, por livre iniciativa, uma pesquisa ao conteúdo que está 'em linha', acessível a qualquer um de nós? Julian Assange precisou - e sabendo disso contactou, desde logo, quem melhor sabe do seu ofício - dos meios de comunicação social, no sentido convencional do termo, para estes fazerem, em primeiro lugar, o trabalho de filtragem que não tinha sido feito, e, em segunda instância, seleccionarem, mediante critérios editoriais (que valem o que valem), o que constitui ou não notícia.

Pessoalmente, enternece-me o facto de terem sido jornais (e não canais de televisão) a assumirem a empreitada inaugural que antecedeu a divulgação dos primeiros documentos.

Não me surpreende a resposta da generalidade da sociedade das nações, com especial destaque para o tradicional orgulho ferido dos Estados Unidos que, com soberba iniciaram já o seu terrorismo diplomático que serve, apenas, para desviar a atenção do essencial: durante anos, responsáveis políticos e militares do seu país cometerem crimes hediondos, sem qualquer respeito pelo direito internacional, do qual fizeram, como quase sempre no passado, tábua rasa.

A grande maioria dos documentos tornados públicos são pouco mais do que embaraçosos. Mostram linguagem imprópria de embaixadores que se deveriam poupar a determinados juízos de valor. O que mais interessa é, por isso mesmo, a minoria escondida que aos poucos, como uma tortura para quem vê o seu lado lunar esmiuçado até às entranhas, vai vendo a luz do dia.

Numa altura de crise financeira internacional, em que o centro do mundo é deslocalizado para oriente, e em que ganha consistência um eixo sobre o qual nós, ocidentais, pouco sabemos, a machadada infligida pelo nada inocente Assange poderá ter sido fatal para o paradigma vigente deste do fim da guerra fria.

Custa-me a acreditar que, daqui por diante, algo de significativo mude na forma de fazer a política e a guerra. Mas durante muitos anos uma variável permanecerá diferente na forma como os actores globais olham para os norte-americanos. Como num casamento tocado pela traição: eu dou-te uma segunda oportunidade, mas sabes que nunca mais vou confiar em ti da mesma maneira.

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