7 de fevereiro de 2011

O pós-eleições em Cabo Verde


No rescaldo das eleições legislativas em Cabo Verde, algumas linhas sobre o que poderão ser os tempos que se seguem.

No topo da agenda do PAICV está, por enquanto, a formação de um novo governo. José Maria Neves irá certamente aproveitar a oportunidade para trocar alguns ministros e, provavelmente, recolocar outros. A mais importante substituição, não anunciada, mas há muito percebida, é a de Inocêncio Sousa. O ministro das obras públicas vai avançar para a corrida à Presidência da República e deixa a pasta das Infraestruturas em aberto. A substituição de Inocêncio é delicada, pois ele dava corpo à ala política do elenco governativo.

Na atribuição de lugares, o presidente do partido ganhador, reeleito Primeiro-Ministro, terá de gerir e conciliar as vontades de uma corrente 'tambarina' mais moderada (da qual faz parte) e de outra mais radical (com a qual tem de conviver).

Nos primeiros meses da nova legislatura, o principal desafio será a elaboração e aprovação do Orçamento de Estado para 2011. Recorde-se que, fruto das eleições, o país vive, desde 1 de Janeiro, no sistema de duodécimos e precisa de um Orçamento em vigor no menor espaço de tempo. O facto dos eleitores terem optado pela continuidade política deverá ditar um encurtamento dos prazos, pois não é de esperar um documento estrategicamente diferente - nomeadamente ao nível dos investimentos públicos - daquela que tem sido a linha dos últimos dez anos.

Ao começar um novo mandato, o Governo de José Maria Neves terá um duplo desafio macroeconómico e cinco anos para o resolver. Baixar o nível de dívida pública para valores que não comprometam a viabilidade do Estado cabo-verdiano no médio e longo prazo e, ao mesmo tempo, diminuir o défice orçamental. Um e outro indicadores estão definidos no acordo de paridade cambial que o país mantém com a União Europeia e Bruxelas, a braços com o processo de reequilíbrio das contas públicas dos estados-membros, não deverá estar disposta a aceitar o incumprimento do que está estipulado.

Do lado da oposição, ao segundo maior partido, o desafio que se coloca é, desde logo, clarificar a questão da liderança. Primeiro, perceber se Carlos Veiga tem condições para continuar e, segundo, saindo, que figura estará à altura de o substituir.

A imagem do líder histórico 'ventoinha' está agora associada a três derrotas seguidas e isso tem implicações ao nível do seu crédito político.

O MpD, para ser uma oposição credível e afirmar-se como uma alternativa ao PAICV (e é importante que o seja, para garantir um equilíbrio democrático indispensável ao correcto funcionamento do sistema) precisa de clarificar o rumo que pretende seguir e começar a trilha-lo desde já.

Os projectos políticos fortes, consistentes, nos quais os eleitores aprendem a confiar, demoram anos a cimentar-se. Assim acontece também com os líderes.

Um eventual substituto de Carlos Veiga, deverá estar no Parlamento - ou seja, ser alguém do novo grupo parlamentar. A oposição extra-parlamentar é complicada, mais ainda num país com as características de Cabo Verde. A Assembleia Nacional é o principal palco de debate e de confrontação de ideias e o único local onde, de forma regular, o líder da oposição pode confrontar o Primeiro-Ministro.

Finalmente, a UCID. António Monteiro colocou a fasquia muito alta e por isso a sua derrota, apesar de conservar o mesmo número de deputados, acaba por ser à dimensão da sua ambição. Do resultado do escrutínio percebe-se que o partido continua a ser eminentemente regional, com alguma expressão em São Vicente, mas com dificuldades de penetração noutros círculos. Para crescer, e ser o tal fiel da balança a que se propõe, terá de aproveitar o caminho até 2016 para conquistar novos eleitores e ganhar consistência eleitoral.

Os partidos da oposição tendem a viver para as eleições. Isto tem custos. Quem não tem, como não têm o MpD e a UCID, a máquina do Estado ao seu lado (e não me interpretem mal: as coisas são mesmo assim), não pode esperar pelos meses imediatamente antes de uma ida às urnas para apresentar um projecto, dá-lo a conhecer às pessoas e esperar que elas confiem nele.

Salvo em condições circunstâncias muito específicas, quem está no poder parte sempre em vantagem. E desmontar a retórica de quem se pode basear em conquistas, sejam elas muitas ou poucas, requer tempo, paciência e muita dedicação. Infelizmente, virtudes que escasseiam na vida política dos nossos dias.

1 comentário:

Amílcar Tavares disse...

Acho que os maiores desafios são: criar um turismo apelativo; atrair IDE; alavancar as exportações; fomentar o emprego; criar condições que levem à formalidade a economia informal; investir nos fundamentos do crescimento a longo prazo: recursos humanos, infraestruturas, estabilidade macroeconómica e o Estado de Direito.