Se querem saber, estou-me a borrifar para as pensões do Cavaco.
A questão é de moral, claro, mas é também de falta de oportunidade. A nossa própria falta de oportunidade para, feitas as contas, arrecadarmos tanto ou mais do que ele.
O principal problema de Portugal não está na classe politica que governa o país, antes numa inversão de valores e prioridades. Somos o povo do desenrasca e isso faz de nós pessoas capazes de superar situações difíceis com criatividade, mas também nos transforma em gente que prefere cortar caminho, abreviar processos e ignorar normas, mesmo que isso implique pisar o colega do lado.
Os políticos são portugueses na sua melhor expressão. Ministros, secretários de estado, deputados, presidentes de câmara e de junta ou até o Presidente da República somos nós, uns patamares acima.
O titular de um cargo público que acumula pensões é como o tipo que recebe o subsídio de desemprego e trabalha por fora ao mesmo tempo. O governante que gasta mais de ajudas de custo do que aquilo que recebe de salário é a versão melhorada do beneficiário do Rendimento Social de Inserção que se entretém a fazer filhos para aumentar o valor da subvenção. O autarca que substitui concursos públicos por ajustes directos é um modelo engravatado do empreiteiro que faz orçamentos “com ou sem facturinha”.
Por isso, e voltando ao início, o que o inquilino de Belém faz é o que todos faríamos, assim tivéssemos como. A ética é volátil. O futuro interessa-nos apenas na medida em que o possamos manietar.
As palavras do Presidente – tão cheias de hipocrisia – só nos incomodaram tanto porque nelas ouvimos a nossa própria voz.
Vivemos uma ilusão. Convenceram-nos de que todos podíamos ter casa própria, carro novo de três em três anos, televisão por subscrição, um telemóvel de ecrã táctil e férias no estrangeiro. Venderam-nos uma mentira e nós, porque preferimos parecer a ser, comprámo-la.
Numa sociedade capitalista, fizemos do cartão de crédito e da Cofidis manuais práticos de socialismo, como se com eles não mais existissem classes. Alinhámos todos por cima e agora fomos revistos em baixa.
Chegámos onde estamos porque somos mais espertos que inteligentes, não temos juízo auto-critico – embora estejamos sempre a criticar os outros – e passamos a vida à procura da melhor forma de enganar o vizinho o ou colega de trabalho.
Precisamos de melhores políticos, claro que sim. Mas a nossa salvação não virá do topo. As revoluções – mesmo que de mentalidades – nunca nascem nas elites. E é disso que precisamos: de uma nova maneira de estar na polis. Uma forma participada e interessada com o colectivo, cientes de que o todo é mais do que a mera soma das partes.
Esta publicação também pode ser lida aqui:
2 comentários:
Tunga, em cheio. A sua crónica é um brilhante resumo, preciso e afiado, das conversas que nos últimos tempos têm marcado não só o meu grupo de amigos, mas, acredito, toda a minha geração.
Obrigada por este texto.
Enviar um comentário