Depois de muito pensar no assunto, como só pensam as pessoas que não conseguem pensar noutra coisa, Pedro chegou a uma conclusão imperial. Escrevendo-a, colocou-a debaixo de uma caneca, em cima da mesa, à espera que um dia alguém lesse aquelas que foram as suas últimas palavras... sobre o assunto. Depois, apagou as luzes e saiu, levando consigo o que abaixo se relata.
Preciso de te dizer uma coisa: estou fodido.
Peguei há pouco nas tuas coisas, nas que ficaram, determinado a arruma-las, a resolver de uma vez, espero que por todas, o assunto pendente, que deixámos a meio no dia em que, sem um aviso, um "olha, vou indo", "é agora, fica bem", saíste por aquela porta, empenhada, pelos vistos, em não voltar.
Passei as últimas semanas, aliás, acho que foram meses - quantos? - à espera de te ouvir chegar. De perceber, como percebi sempre, os teus passos lá em baixo, ainda na entrada do prédio, e saber que o elevador, ao subir, pararia no quinto andar e dele sairias tu.
A casa do avesso. Tenho tudo espalhado por sítios indevidos, a roupa na sala, os copos no quarto, a loiça acumulada à espera de ser lavada. Deve haver merda aí algures. Fiz tudo ao contrário, presumo que também tenha cagado fora da sanita.
Tenho este ar sujo, a barba por fazer, as unhas encardidas, o cabelo oleoso. Há pouco olhei-me ao espelho e assustei-me com a sombra de mim mesmo. Mas depois passou, porque já me sou indiferente.
És uma puta. De entre todas, a maior. Como é que te achas no direito de seguir em frente sem esperares que eu esteja pronto. Libertador? Ah, quem me dera. "Um dia vou-me embora para que possas continuar". Continuar? Para onde, se agora não sei para onde ir?
1 comentário:
A vida as vezes obriga-nos a nadar em merda. Nao e culpa dos outros, e nossa que compramos todas as ilusões a cores, a preto e branco, aos quadradinhos... Solução (dizem eles, nunca experimentei): dar um tiro nos olhos (bom tem de ser dois) para ver melhor.
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