13 de novembro de 2012

Vesguinha


A Pimpinela Espongiforme, de agora em diante, nos referiremos apenas e quase sempre por 'a Vesguinha'. O cognome, deve-o, já se percebe, à vista trocada. Um dos olhos à  hora certa, o outro, dez minutos atrasado. Sobre o nome, o que dizer? O papá, Bonifácio, a mamã, Efigénia, gente rude do campo, quiseram homenagear, simultaneamente, a hortaliça da família das cucurbitaceaes e a vaquinha Mimi, falecida havia dias, depois de uma lenta agonia, que a levou à loucura. 

O nome e o estrabismo são, ainda assim, os menores dos seus pecados. Além da zarolhice, observam-se a olho nu - e até a alguns metros de distância - a pilosidade facial, nalguns sítios tão cerrada que capaz de suscitar dúvidas de género, o pouco peito e o muito rabo. "Mas onde é que tu foste buscar esse anexo, miúda? Os teus pais são da Madeira, não da costa ocidental africana!" 

Baixinha, pé ligeiro, achando-se perfeita na ginga, Vesguinha sai à rua vestida com roupa justas, que atrás lhe vincam o rego e à frente desvendam o umbigo, ligeiramente pintelhudo (arrepia-se o narrador: "Ai meu Deus, a reserva natural que não deve haver abaixo da linha do horizonte!").

E se os moços lhe assobiam ao passar, fazem-no mais por comiseração que por real prazer, sentimento difícil de encontrar naqueles embutidos 160 centímetros.

Vesguinha quer um homem. Um que seja alto, forte e definido. Daqueles que andam sempre nus da cintura para cima, iguais aos das revistas que lê no caminho para o trabalho. Daqueles, suspira, corando, em que se pode lavar a roupa na barriguinha de tanque. 

É no autocarro de carreira que pequena Vesga mais se deixa levar pelo desejo. E desejando, fantasia. E fantasiando, fá-lo com tal entusiasmo que, em certos dias do mês, chega mesmo a sentir um calor que vem de baixo para cima e sobre o qual também leu já faz algum tempo.

- O que fazes Pimpinela? - pergunta-lhe alguém de vez em quando.

- Sou agente privada de segurança - responde, fitando o interlocutor com o olho que dá as horas.

Na verdade, Pimpi é só a menina da entrada. A mocinha que, do lado de dentro da porta da junta de freguesia, dá os bons dias a quem chega, atende o telefone a quem liga e passa as chamadas a quem se destinam. Pimpi, a porteira, também poderia, ser, pois, o seu nome.

Na vida de Vesguinha, mundana como se percebe, há, contudo, uma sombra negra, nuvenzinha cinzenta na sua existência fantasiosa.

Vesguinha guarda, com temor, um segredo que a persegue: o dia fatídico em que, não tendo mais do que dezassete aninhos, decidiu experimentar aquilo que a Dra. Rute dizia ser um preliminar fundamental do que logo após se haveria de consumar.

Consultando no dicionário o significado da palavra e percebendo que a ela diziam respeito os assuntos que antecedem "o assunto principal", supôs que ao intróito se seguiria, acto continuo, a consumação sem volta a dar.

Criado o ambiente no quarto de uma amiga de longa data, de férias com os pais, aguardou ansiosa a chegada de Tobias, esse agricultor de pouca escola, conhecido pela grandeza das coisas.

Muito esperou a peludinha, certa de que não lhe faltaria o camponês. Esperou até que a noite caiu e mesmo depois disso. Esperou, primeiro ansiosa, depois desconfiada, finalmente chorosa.

Descobriu, semanas mais tarde, que no café da vila se comentava que Tobias das Couves havia há dias rejeitado desbravar caminho numa cabrita tresmalhada, sobre quem se dizia ser mais a mais feia do rebanho.

Resolveu mentir sobre essa tarde, a da sua imaginária defloração. A partir de então, mulher feita, mesmo que só da cintura para cima. E que ninguém algum dia ouse perguntar se a ela se referiam os senhores à volta da mini. Negará tudo. Dirá que não até morrer.


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