Tenho uma relação difícil com a barba. Falta-lhe a consistência e a regularidade necessárias.
Experimentei máquinas descartáveis, lâminas e máquina eléctrica. O resultado foi sempre desastroso.
Desde que estou no Mindelo, e salvo raras excepções, todas as semanas vou ao barbeiro. Na barbearia da esquina, sento-me na cadeira - uma clássica, com mais de 50 anos - que o senhor Chico recosta para trás.
Bata vestida, navalha na mão, borrifa-me a cara, antes de perguntar: "O de sempre?".
Nhô Chico gosta de um trabalho bem feito e não se inibe de criticar quando vê um cabelo mal cortado ou uma barba mal aparada.
Sem cuidar de saber se os clientes têm pressa, com a legitimidade própria de quem, aos setenta, ainda se levanta todos os dias antes do sol para uma caminhada na cidade e umas braçadas na Laginha, o artista demora o seu tempo: ele demora, eu espero sem refilar e assim nos entendemos.
Certo dia, depois de uma ausência de algumas semanas (nas quais recorri aos serviços da concorrência), vendo-me passar, inspecciona-me e lança: "Quem é que lhe fez isso?"; "Isso?"; "Esse serviço aí em cima?". Fez-me entrar para "resolver o problema", porque "um homem com mau corte não tem como andar na rua de cabeça levantada".
Dez minutos depois, sem querer saber de pagamento, mandou-me à minha vida, não sem antes deixar um aviso: "eu que o apanhe mais uma vez nesses preparos e fica sem um cabelo que seja para contar a história".
Desta quase rotina, gosto do regresso aos clássicos e gosto, acima de tudo, de me olhar ao espelho e conseguir ver no reflexo um gajo que até parece já ter barba de gente grande.
3 comentários:
E não é que o nhô Chico até tem razão...com essa barba só se aceita muito bem aparada.
Umas das minhas invejas dos homens é poderem ter o ritual do barbeiro (e não o do cabeleireiro feminino). Tirando a parte do comentário futebolístico inevitável, tem muito mais a ver comigo.
Viva ao Nhô Chico!!!
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