Aqui me confesso: falo com gente que não existe. Todos os dias mantenho diálogos improváveis.
Não sou esquisito: faço-o tanto em casa como na rua. Sem grande pudor, evito apenas gestos largos e um tom demasiado elevado. Fujo aos embaraços, mas às vezes não tenho como evita-los. Ocasionalmente, um transeunte indignado-me mira-me de soslaio tentando perceber se estou em mim ou noutro alguém.
Tenho-me, então, noutros que não apenas eu. E, tendo-me fora, posso estar em qualquer lugar, na melhor ou pior companhia. Discuto o mundo e a existência. Raramente chego a conclusões.
Se me olho ao espelho e vejo-o tão igual, estudo as expressões, a gravidade do olhar, o balancear da cabeça que diz e que ouve ao mesmo tempo, sem saber quem faz o quê, se eu ou ele.
Num passeio, faço pausas e atento nas perguntas. Respondo sempre. Quem diz que não me entende, que não percebe o meu lado de lá, talvez deva procurar o velho com cabelo grisalho, andar cambaleante, olhos papudos e óculos redondos, sempre descaídos na ponta do nariz.
As personagens que crio, são parte do meu real imaginário, daquele fragmento que só a mim diz respeito. Projectam a meu respeito uma imagem insana, mas se é esse o preço a pagar para manter a fantasia, podem trazer a factura.
1 comentário:
Onde é que eu já vi esta cena?
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