Depois da decisão errada, tomada semanas antes, Luísa vê-se agora perante um grande dilema. Porventura, o mais grave de todos os dilemas numa vida cheia deles.
Ao decidir “desaparecer”, sair sem avisar, virar as costas sem deixar rasto, teve o cuidado de preparar tudo meticulosamente. Conciliou argumentos que lhe permitissem ganhar tempo e distância. Pensou tão rigorosamente em tudo que, à data em que a sua ausência prolongada começou a levantar suspeitas, já Luísa estava suficientemente longe. Longe demais para ser encontrada. O objectivo estava conseguido: fugira de si própria e estava pronta para recomeçar sem o peso do passado.
No seu emprego, no seu bom emprego, usou o pretexto de uma reunião de trabalho fora do país. Três dias. Em casa, avisou a família da viagem ao estrangeiro. Três dias. E foi. Foi ao primeiro, passou o segundo, só não voltou ao terceiro.
Não é que Luísa tivesse uma vida má. Pelo contrário. Um bom emprego, já o tínhamos dito, um bom marido e um filho demasiado pequeno para ser uma dor de cabeça. “O problema não és tu, sou eu”. Nunca chegou a usar o chavão nos inúmeros silêncios que teve – o silêncio também pode ser uma forma de discussão – mas pensou nele repetidas vezes. O problema de Luísa – Luísa, sempre Luísa – era ela própria e a forma como não estava disposta a aceitar ter, aos 31 anos, a vida fatalmente programada. “Porra, aos trinta ainda se é uma garota”, palavras dela. E então fugiu. Fugiu e achou que estava a fazer uma grande coisa.
Mas isso foi semanas antes.
Agora Luísa está longe. Longe da vida programada, dos horários, do marido e do filho, demasiado pequeno para ser uma dor de cabeça. Está longe do caminho que fazia de segunda a sexta – despertador 6:30, filho na creche, trânsito, trabalho, trânsito, filho na creche, casa – do café onde almoçava mini-pratos, do ginásio onde ia às terças e quintas (bem, às vezes não ia às quintas), do supermercado onde fazia compras aos sábados. Está longe e continua a achar o que achava antes de estar.
Depois da decisão errada, tomada semanas antes, Luísa vê-se agora perante um grande dilema. Está longe da sua vida programada, mas continua a sentir-se presa a um programa que alguém escreveu no seu lugar.
Depois da decisão errada, Luísa percebeu que podemos fugir de tudo, menos de nós próprios. É muito provável que volte para casa.
*Este texto é em resposta ao mote lançado por esta menina. Todos os domingos, rotativamente, eu, ela ou ele vamos dar o mote para um texto que será depois publicado às quintas-feiras nos nossos próprios blogues.
Ao decidir “desaparecer”, sair sem avisar, virar as costas sem deixar rasto, teve o cuidado de preparar tudo meticulosamente. Conciliou argumentos que lhe permitissem ganhar tempo e distância. Pensou tão rigorosamente em tudo que, à data em que a sua ausência prolongada começou a levantar suspeitas, já Luísa estava suficientemente longe. Longe demais para ser encontrada. O objectivo estava conseguido: fugira de si própria e estava pronta para recomeçar sem o peso do passado.
No seu emprego, no seu bom emprego, usou o pretexto de uma reunião de trabalho fora do país. Três dias. Em casa, avisou a família da viagem ao estrangeiro. Três dias. E foi. Foi ao primeiro, passou o segundo, só não voltou ao terceiro.
Não é que Luísa tivesse uma vida má. Pelo contrário. Um bom emprego, já o tínhamos dito, um bom marido e um filho demasiado pequeno para ser uma dor de cabeça. “O problema não és tu, sou eu”. Nunca chegou a usar o chavão nos inúmeros silêncios que teve – o silêncio também pode ser uma forma de discussão – mas pensou nele repetidas vezes. O problema de Luísa – Luísa, sempre Luísa – era ela própria e a forma como não estava disposta a aceitar ter, aos 31 anos, a vida fatalmente programada. “Porra, aos trinta ainda se é uma garota”, palavras dela. E então fugiu. Fugiu e achou que estava a fazer uma grande coisa.
Mas isso foi semanas antes.
Agora Luísa está longe. Longe da vida programada, dos horários, do marido e do filho, demasiado pequeno para ser uma dor de cabeça. Está longe do caminho que fazia de segunda a sexta – despertador 6:30, filho na creche, trânsito, trabalho, trânsito, filho na creche, casa – do café onde almoçava mini-pratos, do ginásio onde ia às terças e quintas (bem, às vezes não ia às quintas), do supermercado onde fazia compras aos sábados. Está longe e continua a achar o que achava antes de estar.
Depois da decisão errada, tomada semanas antes, Luísa vê-se agora perante um grande dilema. Está longe da sua vida programada, mas continua a sentir-se presa a um programa que alguém escreveu no seu lugar.
Depois da decisão errada, Luísa percebeu que podemos fugir de tudo, menos de nós próprios. É muito provável que volte para casa.
*Este texto é em resposta ao mote lançado por esta menina. Todos os domingos, rotativamente, eu, ela ou ele vamos dar o mote para um texto que será depois publicado às quintas-feiras nos nossos próprios blogues.
3 comentários:
Podemos fugir para Marte, mas nunca de nós próprios. Aquilo que somos segue-nos e não há volta a dar. Gostei do mote e do texto!
:)
Parece-me que esta iniciativa vai dar frutos... e dos bons.
Gostei!
Amei. Grandes verdades escritas por aí...
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