31 de dezembro de 2012

2013

Quando criança, talvez nos meus 6 ou 7 anos, à pergunta "o que é que queres ser quando for grande?" costumava responder "Presidente da República". Cresci mais um pouco e percebi que a vocação, afinal, seria para outras áreas mais dentro da lei.

Tenho muita sorte e digo-o muitas vezes (porque me acho realmente um privilegiado): há quase treze anos que faço aquilo que sempre sonhei fazer. E nunca precisei de fazer outra coisa que não isto. À minha volta, vejo tanta gente com talento, com tanto para dar, agarrada a empregos que não lhes dizem nada e a vidas aborrecidas que lhes tiram os sorrisos e só me posso considerar um sortudo.

Mas a sorte também se conquista. Com trabalho, abnegação e muitas, muitas horas de entrega àquilo que acreditamos valer a pena. Na faculdade, tive um professor que, além dos péssimos hábitos de higiene, tinha uma frase que usava sempre que nos queria fazer entender. Dizia mais ou menos assim: "só depois de terem feito a vossa parte é que têm direito de reclamar se as coisas não vos correrem bem". 

No fundo é isto. Fazer a nossa parte. No limite, podemos fazer até o que nos compete e mesmo assim não resultar. Mas desistir antes de tentar, é assumir a derrota sem sequer termos entrado em campo.

Os bons empregos conquistam-se, a realização profissional e pessoal alcança-se. Mas custa. O que eu vejo hoje, para além de toda a crise, é a promoção da cultura do facilitismo (e os seus resultados). Pais que levam os filhos ao colo até muito depois do que era suposto e filhos que esperam que os pais lhes bastem muito para lá do que deveriam bastar.

É preciso lutar por aquilo que queremos e os protagonistas das nossas lutas só podemos ser nós.

Já não quero ser Presidente da República, mas quando cheguei a adulto percebi que o disparate de criança tinha, afinal, que ver com outra coisa: ambição. 

Quanto maior sonharem, mais longe chegarão. Mas acordem, entretanto. Acordem e façam o que querem que seja feito. 

Que 2013, para lá de todos os défices, seja o ano de quem ambiciona.


26 de dezembro de 2012

Telefonar

Por favor, não me telefonem. Se tiverem alguma coisa para me dizer, enviem um e-mail, sms, até uma mensagem no Facebook. Telefonar, não. 

O telefone tem para mim funções essenciais. Mas telefonar não é uma delas. Não contem por isso com conversas prolongadas ou simpatias extremas.

Restrinjamo-nos ao estritamente necessário: se, à distância, querem mesmo falar comigo - se não podem (ou não sabem) escrever - digam-no rapidamente, sem rodeios. E terminada a empreitada, desliguem na hora. Um "até logo" é suficiente para indicar o fim da conversa. 

Por outro lado, se sou eu a telefonar, notem que o faço com um interesse específico. Para perguntar alguma coisa, dar um recado que é mais perceptível dito que escrito, ou confirmar uma informação. Ou seja, poupem nas derivações.

Não encontro, acreditem, ponta de romantismo em telefonemas sussurrados, prolongados no tempo durante horas a fio. Não desvendo, confirmo-vos já, réstia de amabilidade em perguntas de circunstância. Acho até suspeito que queiram saber sobre a minha prima e pior ainda sobre a saúde dos meus gatos.

Se por acaso tentaram falar comigo e eu não atendi, o mais provável é que tenha optado por vos ignorar. Não vos guardo nenhum rancor, não me recordo do grande mal que pensam ter feito (o que quererá dizer que não me fizeram grande mal nenhum). Simplesmente, simplesmente mesmo (e às vezes as coisas são lineares, sim), não quero falar ao telefone. 

Temos uma relação difícil eu e ele. O meu telefone de casa, que tive de instalar para poder ter ADSL, está na realidade desligado, arrumado a um canto. E quanto ao telemóvel, é óptimo - fundamental - para aceder à Internet em qualquer lugar. 

Num sentido restrito, telefonar é uma seca. Poupem-me ao aborrecimento. Por favor.


25 de dezembro de 2012

Volúpia


E no final fica assim, deitada, de lado, corpo despido, apenas parte das pernas tapadas com a colcha. Virada de costas para ele e de frente para a janela, olhando a rua e esperando um abraço não demasiado apertado ou excessivamente longo. Apenas a mão por alguns segundos em cima da sua barriga, subindo depois numa carícia até ao peito nu, apertando-lhe um dos seios.

É como se ainda o sentisse dentro dela. O seu sexo continua húmido e quente, latejando de desejo, mas agora de uma vontade consumada. Um fio do prazer dele escorre-lhe pela coxa e acabará por cair no lençol. 

Fumasse, fumaria agora um cigarro, entregue à volúpia do momento. Quem a vê com o este ar doce, olhos semi-cerrados, não imagina que, não há muito tempo, o seu corpo esteve entregue a uma transe de gemidos e gritos e palavrões e expressões faciais.

Da viagem recente ao Mali, trouxera um CD de Salif Keita. Foi então ao som do pouco condizente Madan que tudo se passou. E o que se passou foram gestos largos, posições de momento, pedidos de "mais forte", "tudo, tudo", "agarra-me", "puxa-me o cabelo", "o rabo, o rabo" e um expressivo "ohhhh foda-se, estou-me a vir" final, a duas vozes. 

Para ela, o sexo deveria ser sempre assim, com foi o de hoje. Preliminares - muito importantes - demorados, de preferência num lugar inesperado. Despida peça a peça, roupa espalhada pela casa, apalpada contra a parede, em movimentos descoordenados pela tesão. E então atirada contra a cama, "come-me agora". 

O seu sexo não tem hora marcada. Também não tem proibições prévias. Entrega-se e espera que desse acto de confiança resultem orgasmos, de preferência muitos e de preferência vários seguidos. 


23 de dezembro de 2012

De umas e outras coisas


E haviam os lugares e as pessoas nos lugares. E haviam os cheiros e as conversas. E assim haviam os lugares, as pessoas, os cheiros e as conversas. E tudo no mesmo tempo, aquele em que, sem darmos por isso, éramos felizes, tanto como se pode ser. 

Mudaram então as coisas, as coisas todas. E do passado fica o restolho, as cadeiras vazias e a sala desarrumada. Fica o eco das conversas que já não se têm. E as memórias, as lembranças até do cheiro que já não se sente, a não ser de olhos fechados. E fechando os olhos voltamos a estar ali - por ficar tão perto - no lugar onde as coisas aconteciam.

Crescemos uns, envelhecemos e morremos, outros. E conjugávamos o verbo assim, sempre na primeira pessoa do plural, fazendo-nos parte da colectividade, dos que ao mesmo tempo entre os que cresceram e os que morreram, porque era assim, unos, que nos tínhamos uns aos outros, não só ali, naquela mesa comprida, mas sempre que precisos.

Os abraços e os beijos, o afecto. E percebemos agora as palavras, uma, outra e a terceira. Entendemos que havia ali tempo presente, o mesmo que agora é passado. 

E agarramo-nos às recordações. E no que não esquecemos mantemos viva uma coisa qualquer, indefinível, mas decifrável, se nos restarmos a pensar sobre o quê, onde e quando.

Nas palavras em desalinho, sem que as frases que delas resultam tenham que fazer sentido, eternizamos qualquer coisa, que nem sabemos o que é. Que nem será o que julgamos ser.

Mas não lamentamos. Temos saudades, mas não sentimos pena. Foi como acabou por ser. É como se tornou. E, com o fatalismo com que se justificam as coisas que não têm explicação - ou não precisam de ter - aceitamos o que a vida fez connosco, o que a vida fez de nós.

Natal feliz.

22 de dezembro de 2012

Vinho

(se o autor do blogue gostasse de coisas vulgares, aqui estaria uma imagem com uma frase feita atribuída a Clarice Lispector, mesmo não sendo ela a autora)


A mais firme convicção que me chegou com os trinta é a de que não voltarei a beber vinho mau. Porque a diferença que há entre um bom e um mau tinto - e o vinho será sempre tinto - é a duração do final. 

A partir de uma determinada idade um homem deixa de ter vontade de perder tempo com copos de três, bebidos de penalti, sujeitos a uma cara feia e a um ligeiro esgar que, não sendo de dor, será sempre de algum arrependimento. 

Escolhi, então, beber vinho bom, mesmo que isso signifique que beberei menos.

Não sei o momento exacto da decisão, mas aqui há dias dei por mim a olhar para o expositor do supermercado e a concentrar-me apenas nas garrafas das prateleiras mais altas.

Acontece que este não é um texto sobre vinho. E a ser sobre alguma coisa, então ele é sobre decisões, sobre estar preparado para as tomar e até sobre a sua inevitabilidade.

Há um momento em que tudo faz sentido. O momento em que nos sentimos libertos (e não apenas livres) e em que, mesmo sem darmos por isso, respiramos de alívio porque estamos a conseguir seguir em frente.

Aceitarmos as coisas - boas e más - como naturais será a condição essencial para aceitarmos, logo a seguir, que não há histórias perfeitas. E o dia em que compreendemos isso - e compreender não é só perceber - torna-se o dia em que nos sabemos capazes de recomeçar tudo de novo. E recomeçar não tantas vezes quantas necessárias, mas tantas quantas aconteçam. 

E de repente acontece mesmo. E mesmo sem quereremos - ou querendo sem saber - deixamos que seja assim e acaba por ser muito melhor do que pensávamos que seria. 

Uma amiga que sabe da vida muito mais do que eu disse-me em Outubro, à mesa de um casamento, que é tudo uma questão de escolha, de querer e fazer por isso. Parece que a nossa vida depende muito mais de nós do que aquilo que imaginamos. 

Com a idade, tornei-me muito mais exigente com o vinho. E o que de melhor isso tem, é que sou agora capaz de o apreciar como nunca antes o fizera. 


16 de dezembro de 2012

Condição: estrangeiro em qualquer lugar

Sou de um país de gente ainda muito preconceituosa e onde o racismo persiste, em grande medida, por força da ignorância (mas sou inteligente o suficiente para perceber os enormes progressos alcançados no espaço de algumas gerações). 

Se agora estou em Cabo Verde, antes vivi em Luanda e em Angola - onde passei alguns dos melhores momentos da minha vida - houve uma altura em que recebi ordens para, em reportagem, assegurar que o operador de câmara ocultava a minha mão branca da imagem.

Sociedades totalmente inclusivas só existem nas concepções teóricas.

Participo. Envolvo-me activamente na minha comunidade. Formulo e emito opiniões. Contribuo e não me conformo.

Não me acho um "mau imigrante". Não sou um agiota, como tantos. Não estou aqui a fazer fortuna à custa dos recursos do país ou dos "locais" - ou fortuna, de qualquer forma e feitio. Trabalho para uma empresa local - como sempre trabalhei - e ganho um salário condizente com a média salarial cabo-verdiana (e muito abaixo, até, das funções que desempenho). Mantenho uma relação cordial com os meus colegas e de grande respeito por toda a gente. 

Se quiserem, estou aqui porque escolhi estar. Porque troquei um bom salário, casa e viagens pagas pelo embalo destas ilhas e um orçamento apertado.

Permitindo-me a lei fazê-lo, recenseei-me e votei nas últimas eleições autárquicas. Porque não quero e não sei ser indiferente. Não sou pessoa de chegar, estar e ir. O exercício do voto dá-me, de resto, não só o direito, como o dever de ser parte activa. 

Sei bem o que se está a passar (e lamento as causas tanto como discordo das consequências). Sei e sinto um aumento da hostilidade generalizada em relação aos portugueses, em número cada vez maior no país e na ilha. 

Os fluxos migratórios são assim mesmo. Quem não tem emprego na sua terra, procura-o na terra dos outros. Mas sei também que muitos cabo-verdianos qualificados estão a ser preteridos a favor de estrangeiros com as mesmas habilitações e sei bem o que é que isso, numa sociedade jovem, com uma significativa taxa de desemprego, pode significar. 

Talvez o governo deva legislar sobre isto, mas talvez o governo de um país que tem mais nacionais no estrangeiro do que no seu território não o possa fazer com a assertividade que as pessoas esperam. Ou talvez não seja uma questão de lei, mas sim de bom senso: aquele que às vezes falta aos decisores do Estado e das empresas, eles próprios cabo-verdianos, que preferem um expatriado a um patrício seu (e não será isto preconceito também?). 

Talvez devêssemos deixar de depender tanto da ajuda externa para sermos mais donos do nosso destino (e que me desculpem aqueles a quem possa causa estranheza o verbo na primeira pessoa do plural).

"Somos de onde nos sentimos e não de onde nascemos", dizia um amigo a propósito de uma polémica recente (disse-o em espanhol, o que conferiu um outro encanto à frase original). É assim que penso. 

Só não podemos esperar que isso seja verdade para as nossas próprias opções de vida e não para as opções dos outros. 

O homem faz-se e conquista o seu lugar na polis pelo mérito que tem. Não quero ser bem visto se não tiver direito a uma opinião. Não me peçam que seja passivo. Se algum dia isso se tornar inevitável, arrumarei as malas e partirei para outro lugar. Jamais viverei sem o meu juízo crítico. Fui ensinado a pensar.

Vivo neste limbo: aqui nunca serei de cá; onde nasci, não voltarei a ser de lá.

Fazer pela vida tem destas coisas, o não sermos de lugar nenhum. Valha-nos o facto de, não sendo de um sítio só, podermos ser de todos os sítios que quisermos. Mesmo que sejamos os únicos a pensar assim.

8 de dezembro de 2012

Entrevista ao comandante Pedro Pires: "Ainda não nos libertámos da dependência do Estado"


Figura cimeira da política nacional desde a independência, o comandante Pedro Pires considera que em Cabo Verde ainda existe uma cultura assistencialista. O antigo Presidente da República assinala os progressos verificados ao longo das últimas décadas, mas pede rigor na gestão dos recursos dos Estado.


Somos uma sociedade participativa?
Acredito que sim, se nós fizermos uma análise apurada podemos ver que há uma boa participação dos cabo-verdianos na vida da sua sociedade e da sua organização. Podemos começar, por exemplo, pelos clubes de futebol ou por outro tipo de organização e com o tempo, apareceram outras formas de organização. Entendo os cabo-verdianos são participativos e há uma tendência para melhorar essa participação.

Na palestra que proferiu no IX Encontro de Fundações da CPLP disse que "a participação e responsabilização cívica são dois elementos essenciais para o aprofundamento da vida democrática e para a consolidação dos regimes democráticos."
Até que ponto é que a sociedade cabo-verdiana já interiorizou de facto esta ideia? 
Às vezes temos a impressão de que as pessoas agem de uma forma despreocupada, sem o esforço de aprofundar e analisar bem as suas responsabilidades. Todos nós somos responsáveis por aquilo que acontece na nossa terra e somos responsáveis pela construção do nosso futuro. Mas uma coisa é a responsabilização política, cívica se podemos dizer assim, e outra é a responsabilização social. Muitos dos problemas existen-tes podem ser resolvidos com a participação interessada do cidadão sem que haja necessidade da intervenção do estado e dos municípios.

Existe de alguma forma em Cabo Verde, uma cultura assistencialista, nessa ideia de que o Estado é o garante de tudo?
Sim, ainda não nos libertámos dessa dependência do Estado, de modo que há necessidade de se descobrir outras formas de contribuir para a solução dos problemas que possam existir.
Por exemplo, a questão do emprego: será que o Estado é o único responsável pela criação de emprego? Está claro que não, porque os serviços públicos não têm lugar para toda a gente, nem podiam ter. Cabe ao cidadão, ao privado e a cada um de nós trabalhar no sentido para que haja mais emprego. Pode-se dizer que para ter emprego precisamos de dinheiro, isso sim, mas podemos ter outras iniciativas. Uma das iniciativas possíveis, por exemplo, é o cooperativismo, o mutualismo. Entendo que podíamos resolver muitos problemas do sector da saúde com organizações mutualistas ou o próprio sector da educação, mas não há ainda essa cultura, não há essa preocupação, de modo que há que insistir nesse sentido e quebrar a ideia do monopólio de responsabilidade.

Alguns Estados experimentaram, com sucesso visível, soluções de cooperativas em diferentes sectores de actividade, como a agricultura. São experiências que poderíamos replicar em Cabo Verde?
Há sociedades onde de facto o cooperativismo tem um enorme peso. Por exemplo, nos países nórdicos, mas até lá chegarmos vamos levar muito tempo. Falou da agricultura. Há vários níveis de cooperativas, a cooperativa não significa que temos de juntar as propriedades, mas podemos cooperar na transformação, pode-se cooperar na venda, na compra dos adubos, há várias formas de cooperar. Por exemplo a cooperativa do vinho de Chã das Caldeiras, não é uma cooperativa completa, no sentido em que as propriedades estão juntas, é uma cooperativa de produtores, que produzem a uva, vendem à cooperativa a um preço, faz-se a transformação e no fim fazem-se as contas.

Ao longo das décadas, o próprio Estado não contribuiu para fomentar nas pessoas o sentimento de que é o garante principal das suas vidas?
É bem possível que sim. As pessoas precisam sempre de garantias e numa sociedade pobre, que começa a vida de Estado independente, você tem de dar uma garantia e essa garantia quem a pode dar é o Estado, mas em certas condições, as prioridades tinham de ser garantidas pelo Estado. Em sociedades pobres e subdesenvolvidas o estado tem um papel extremamente importante, mas não deve cometer o erro de convencer as pessoas que é a partir das instituições públicas que vamos resolver todos os problemas. Tem de saber estimular as pessoas.

Esses estímulos estão a ser dados?
Talvez não o suficiente, mas o liberalizar a economia é um sinal grande que significa que agora a economia privada, o promotor privado, têm um papel fundamental, mas nós aqui estamos a falar da sociedade civil, no contexto da economia social, aquilo que se pode fazer sem ter como motivação primeira o lucro, mas ter como motivação a prestação de um serviço ao seu associado. Entendo que na economia Cabo-Verdiana há um espaço para a economia social e até agora isso tem tido desenvolvimentos e recuos. Seria necessário fazer um esforço para que não tenha mais recuos, se estabilize e cresça.

Relativamente à criação de uma sociedade civil, ela pode ser medida também numa dimensão política. Os partidos políticos cabo-verdianos têm deixado que imerja essa sociedade civil, que haja participação política extra-partidária?
Tudo sai do mesmo bule, da sociedade no geral. A orientação e o campo de intervenção. A sociedade politica intervém no campo da organização do poder politico, as organizações da sociedade civil, não a sociedade civil, intervêm noutro campo diferente, que pode ser económico, pode ser no campo cultural, social, cooperativo mutualista, num campo muito próximo da politica, embora não seja a mesma coisa, que são as fundações.

Diz-se frequentemente que a sociedade cabo-verdiana é ainda uma sociedade exces-sivamente partidarizada. No seu entender isso é verdade?
Entendo que sim. Muitas vezes fica-se com a impressão que a pessoa não tem opinião própria. Mas há que enveredar-se para outra situação em que há um espaço que não é o espaço dos partidos políticos, mas sim o espaço dos cidadãos que podem intervir sem ter que se referir a ideologias ou à posição de um partido. Admito que haja essa necessidade. Do meu ponto de vista, isso é muito necessário, porque nós não podemos resumir as opiniões e as analise às posições dos partidos políticos. Eu acho que é reducionista, então precisamos de espaços mais ou menos neutros, imparciais onde a pessoa pode emitir a sua opinião sem problemas e sem complexos.

A sociedade cabo-verdiana, neste ano de 2012, é uma sociedade muito diferente daquela que existia nos anos 70, no período imediatamente após a independência. Como é que encara estas aceleradas mudanças?
Em 1975 havia mais pobreza, mais falta de instrução. O que se conseguiu no decurso desses anos permitiu a melhoria das condições de vida, das relações entre as pessoas, entre as ilhas, entre as comunidades e com o exterior.

Aumentaram também as desigualdades sociais?
Aí tenho dúvida, porque havia tanta miséria que eu não posso afirmar que houve aumento da desigualdade social. Não é possível uma comparação. Mas se me perguntar se houve uma diminuição da miséria, digo que sim. Depois da redução da miséria, podemos discutir se houve ou não aumento da desigualdade social. Houve crescimento da riqueza e a repartição é que não terá sido a mais justa, mas tome nota que na altura a pobreza era muito maior. Podemos dizer que o desenvolvimento da nossa sociedade poderá ter sido ou estará a ser desigual e que é preciso ter cuidado com essa desigual-dade.

Como é que olha para fenómenos que são relativamente recentes, nomeadamente questões de violência urbana, criminalidade urbana e juvenil. Pergunto-lhe se estes são sinónimos dessa evolução que a sociedade tem verificado?
Está claro que é um fenómeno endógeno com influências externas. Se é produto nosso, se é gerado aqui dentro, é consequência do desenvolvimento dessa sociedade de todos os pontos de vista. É consequência do desenvolvimento da sociedade cabo-verdiana e se podia ser ou não evitado, eu acho que sim, talvez pudesse ser evitado e o problema que se coloca é analisar e aprofundar o conhecimento das causas, para se poder reduzir esses factores e essas causas. Eu não diria que o desemprego é um factor determinante nisso. Um outro elemento que podemos colocar diz respeito ao funcionamento das famílias. Há uma desresponsabilização das famílias.

Desestruturação familiar?
As famílias não estão a funcionar devidamente para dar protecção ou orientação aos seus membros. Mas há mais: o problema da urbanização rápida, a perda de referências e do controlo social, as mudanças demográficas, a educação, o papel desempenhado pela co-municação social. Existem, portanto uma série de factores.

Como é que se devolve a família à sua função original de elemento primário de socialização dos indivíduos?
Não devemos olhar para a família de uma forma utópica. Não sei até que ponto é que as nossas famílias funcionaram bem durante todo o tempo. Entendo que a sociedade é formada por famílias estruturadas e famílias desestruturadas e quando você tem situações em que os pais não estão presentes ou o pai não está presente ou não se responsabiliza pela educação dos filhos, há então uma certa desresponsabilização. Quando as pessoas não se preocupam com isso e preferem sair a noite ou preferem ir ao bar ou fazer a vida de botequim, isso fica complicado, então o que eu acho é que não há uma responsabilização com a educação dos filhos e muitas vezes a educação dos filhos está entregue às mães desprotegidas. É tudo isso que é preciso melhorar. Assistimos hoje em dia a uma crise internacional que tem consequências que são por todos conhecidas e que tem contornos mais ou menos claros. Essa crise tem levado a que muitos estados em dificuldades questionem em particular aquela que deve ser a função social do Estado.

Como é que o Comandante Pedro Pires olha para esta discussão que é feita, sabendo que a função social do Estado não se limita ao pagamento de prestações sociais, vai também à saúde, à educação, à promoção da cultura, etc.? 
Essa crise já se anunciava há muito tempo. Há anos que se tem estado a debater como garantir a sustentabilidade dos sistemas de previdência social, mas isso é um problema antigo. Em Cabo Verde, não temos condições para ter um estado social, porque os estados sociais nascem com o grande desenvolvimento industrial e económico dos países mais ricos e nós não temos ainda essas condições, mas as pessoas quando falam, quando exigem, quando pedem, dão ideia que já temos as condições para ter um estado social. A meu ver, nós não temos condições para ter um estado social e às vezes as pessoas confundem tudo isso e apresentam soluções que não são as viáveis.

As pessoas esperam mais do que o Estado pode dar? 
Eu acho que sim, que devemos ser realistas e ter uma gestão rigorosa, porque Cabo Verde foi, é e continua a ser um desafio e esse desafio exige sempre uma gestão rigorosa e prudente. Há uma grande diferença entre o rigor e a austeridade. O rigor é um princí-pio de gestão e a austeridade é uma medida emergência para enfrentar situações de risco. Assim, o rigor exige que os meios sejam bem utilizados mas também exige que a pessoa tenha a produtividade necessária para compensar o salário que recebe. A questão do rigor e a questão da produtividade e da poupança são princípios fundamentais que não se confundem com a mera austeridade. Logo, o rigor no bom uso de recursos e a produtividade constituem princípios elementares de uma boa gestão. Por outro lado, partir do princípio que o que é do Estado não tem dono, que pode ser gasto à toa, é mau e não conduz a parte nenhuma.

originalmente difundida na Rádio Morabeza e publicada no jornal Expresso das Ilhas (Cabo Verde)

7 de dezembro de 2012

Relógio


Parou o relógio às 17:22, no minuto antes do último minuto em que a viu e em que, ao vê-la por aquela que pode ter sido a derradeira vez, não lhe disse todas as coisas que tinha por dizer. Deixou então o tempo na oportunidade final, convencido de que assim poderá, querendo, retoma-lo não antes ou depois, mas no momento certo. Dir-lhe-à aquilo em que tem estado a pensar e virará costas antes da eventual resposta. Não quer saber e não precisa de. O que pretende é só dizer e, assim, descer a rua sem olhar para trás.


6 de dezembro de 2012

Guiné-Bissau

A situação na Guiné-Bissau interessa-me particularmente. Tenho feito algum acompanhamento do que se passa no país. Deixo duas entrevistas que fiz recentemente a personalidade guineenses de relevo.

Domingos Simões Pereira, ex-secretário executivo da CPLP:




António Aly Silva, jornalista: