Sou de um país de gente ainda muito preconceituosa e onde o racismo
persiste, em grande medida, por força da ignorância (mas sou inteligente
o suficiente para perceber os enormes progressos alcançados no espaço
de algumas gerações).
Se agora estou em Cabo Verde, antes vivi em Luanda e em Angola - onde passei alguns dos melhores momentos da minha vida - houve uma altura em que recebi ordens para, em reportagem, assegurar que o operador de câmara ocultava a minha mão branca da imagem.
Sociedades totalmente inclusivas só
existem nas concepções teóricas.
Participo. Envolvo-me activamente na minha comunidade. Formulo e emito opiniões. Contribuo e não me conformo.
Não me acho um "mau imigrante". Não sou um agiota, como tantos. Não estou aqui a fazer fortuna à custa dos recursos do país ou dos "locais" - ou fortuna, de qualquer forma e feitio. Trabalho para uma empresa local - como sempre trabalhei - e ganho um salário condizente com a média salarial cabo-verdiana (e muito abaixo, até, das funções que desempenho). Mantenho uma relação cordial com os meus colegas e de grande respeito por toda a gente.
Se quiserem, estou aqui porque escolhi estar. Porque troquei um bom salário, casa e viagens pagas pelo embalo destas ilhas e um orçamento apertado.
Permitindo-me a lei fazê-lo, recenseei-me e votei nas últimas eleições autárquicas. Porque não quero e não sei ser indiferente. Não sou pessoa de chegar, estar e ir. O exercício do voto dá-me, de resto, não só o direito, como o dever de ser parte activa.
Sei bem o que se está a passar (e lamento as causas tanto como discordo das consequências). Sei e sinto um aumento da hostilidade
generalizada em relação aos portugueses, em número cada vez maior no
país e na ilha.
Os fluxos migratórios são assim mesmo. Quem não tem
emprego na sua terra, procura-o na terra dos outros. Mas sei também que
muitos cabo-verdianos qualificados estão a ser preteridos a favor de
estrangeiros com as mesmas habilitações e sei bem o que é que isso, numa
sociedade jovem, com uma significativa taxa de desemprego, pode
significar.
Talvez o governo deva legislar sobre isto, mas talvez
o governo de um país que tem mais nacionais no estrangeiro do que no
seu território não o possa fazer com a assertividade que as pessoas
esperam. Ou talvez não seja uma questão de lei, mas sim de bom senso: aquele que às vezes falta aos decisores do Estado e das empresas, eles próprios cabo-verdianos, que preferem um expatriado a um patrício seu (e não será isto preconceito também?).
Talvez devêssemos deixar de depender tanto da ajuda externa para sermos mais donos do nosso destino (e que me desculpem aqueles a quem possa causa estranheza o verbo na primeira pessoa do plural).
"Somos de onde nos sentimos e não de onde nascemos", dizia um amigo a propósito de uma polémica recente (disse-o em espanhol, o que conferiu um outro encanto à frase original). É assim que penso.
Só não podemos esperar que isso seja verdade para as nossas próprias opções de vida e não para as opções dos outros.
O homem faz-se e conquista o seu lugar na polis pelo mérito que tem. Não quero ser bem visto se não tiver direito a uma opinião. Não me peçam que seja passivo. Se algum dia isso se tornar inevitável, arrumarei as malas e partirei para outro lugar. Jamais viverei sem o meu juízo crítico. Fui ensinado a pensar.
Vivo neste limbo: aqui nunca serei de cá; onde nasci, não voltarei a ser de lá.
Fazer pela vida tem destas coisas, o não sermos de lugar nenhum. Valha-nos o facto de, não sendo de um sítio só, podermos ser de todos os sítios que quisermos. Mesmo que sejamos os únicos a pensar assim.
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