23 de dezembro de 2012

De umas e outras coisas


E haviam os lugares e as pessoas nos lugares. E haviam os cheiros e as conversas. E assim haviam os lugares, as pessoas, os cheiros e as conversas. E tudo no mesmo tempo, aquele em que, sem darmos por isso, éramos felizes, tanto como se pode ser. 

Mudaram então as coisas, as coisas todas. E do passado fica o restolho, as cadeiras vazias e a sala desarrumada. Fica o eco das conversas que já não se têm. E as memórias, as lembranças até do cheiro que já não se sente, a não ser de olhos fechados. E fechando os olhos voltamos a estar ali - por ficar tão perto - no lugar onde as coisas aconteciam.

Crescemos uns, envelhecemos e morremos, outros. E conjugávamos o verbo assim, sempre na primeira pessoa do plural, fazendo-nos parte da colectividade, dos que ao mesmo tempo entre os que cresceram e os que morreram, porque era assim, unos, que nos tínhamos uns aos outros, não só ali, naquela mesa comprida, mas sempre que precisos.

Os abraços e os beijos, o afecto. E percebemos agora as palavras, uma, outra e a terceira. Entendemos que havia ali tempo presente, o mesmo que agora é passado. 

E agarramo-nos às recordações. E no que não esquecemos mantemos viva uma coisa qualquer, indefinível, mas decifrável, se nos restarmos a pensar sobre o quê, onde e quando.

Nas palavras em desalinho, sem que as frases que delas resultam tenham que fazer sentido, eternizamos qualquer coisa, que nem sabemos o que é. Que nem será o que julgamos ser.

Mas não lamentamos. Temos saudades, mas não sentimos pena. Foi como acabou por ser. É como se tornou. E, com o fatalismo com que se justificam as coisas que não têm explicação - ou não precisam de ter - aceitamos o que a vida fez connosco, o que a vida fez de nós.

Natal feliz.

3 comentários:

Inês Aroso disse...

Escreves divinamente. E isso é um presente. Senti-me regressar à sala onde, para mim (ou para o meu "nós"), o Natal acontecia. E também não senti pena, apesar das saudades. Como todas as histórias que valem a pena ser recordadas, não deixo lágrimas, só sorrisos, por as ter vivido. Aguça-me a vontade de escrever novas histórias de Natal que a minha filha recordará, daqui a muitos anos.

Alda Couto disse...

Apetece-me dizer uma asneira daquelas mesmo fortes que ficam mal a uma senhora dizer em público só para reforçar o quão bem tu escreves.
Se eu não me importasse mesmo nada com os ditos alheios, a frase ficava assim: Foda-se, escreves mesmo bem.
Mas como me importo, nem que seja só um bocadinho, fico-me só pelo: escreves mesmo bem, apesar de sentir que não tem a força daquela frase que eu gostava de ter dito mas não disse por vergonha. Feliz Natal.

Nuno Andrade Ferreira disse...

Obrigado pelo exagero, Inês e Antigona.