18 de novembro de 2007

Um anedota de nós mesmos


Não me espantam as notícias recentes sobre novos casos de pedofilia. Espanta-me que não sejam ainda mais surpreendentes no seu conteúdo e nos seus protagonistas.

Incomoda-me apenas que a gratuitidade e o voluntarismo de algumas acusações implique que se crie (ou se proporcione) um clima de suspeição nacional. No fundo, parece que todos somos potenciais pedófilos, ou pedófilos em potencial.

A universalidade deste tipo de acusações resulta directamente da lógica de impunidade que impera na sociedade e nos meandros da justiça. O processo Casa Pia, em julgamento há não sei quantos anos, sem fim à vista, é o melhor exemplo. Carlos Cruz o paradigma perfeito.

Quando foi detido, "não, não pode ser". Quando ficou preso preventivamente, "ah, o sacana". Agora, anos volvidos, "coitado, anda para ali". Não há culpados julgados e por isso somos todos suspeitos.

Num Estado onde a justiça é morosa e principalmente dúbia, todos podemos ser apanhados nas malhas da imprevisibilidade e isso é sinal de uma democracia quinada.

O desconhecimento dos verdadeiros "malfeitores", desta capital do deboche e do nojo, faz-nos julgar popularmente suspeitos e supostos pela fronha ou expressão do momento. "Este cabrão é pedófilo, olha-me lá para a cara dele! Tem cara de pedófilo, o filho da puta!".

Estamos a perder a racionalidade e a clareza de ideias e enquanto isso há miúdos que continuam a ser levados em carrinhas para "Casas de Elvas", estando Elvas em qualquer lado.

Das manchetes de hoje o que sobrará? Um rato parido pela montanha, provavelmente.

Da pedofilia ao futebol e dele até à corrupção.

Os dois árbitros apanhados, literalmente, como a "mão na massa" são o exemplo acabado de como se chega ao povinho. Sexta-feira foram 500 euros, na semana passada talvez alguém se tivesse lembrado de oferecer um presunto.

Ver futebol em directo na televisão e depois acompanhar em diferido a detenção de dois juízes do apito, militantes dum anedótico e menor campeonato distrital! Fossem os 500 euros, os presuntos e as entremeadas a expressão da verdadeira corrupção em Portugal e estávamos nós muito bem.

Vivemos num país que não confere a si mesmo a dignidade de ser Estado. Somos uma ironia. Anedóticos.


Créditos da imagem: http://www.audienciazero.org/eixo/content/view/325/26/

2 comentários:

gralha disse...

Infelizmente é verdade... Até gostava de deixar aqui uma linda frase de esperança, ao melhor estilo salazarento, mas é mesmo verdade. Bolas!

Inesa disse...

E, infelizmente, disseste tudo!