30 de setembro de 2009

O discurso que eu teria escrito para Cavaco Silva:

Portugueses,

Dirijo-me hoje ao país com o objectivo de comentar as notícias vindas a público sobre a existência de escutas ou outra forma de vigilância ao Palácio de Belém.

Faço-o por considerar que tal suspeita deve ser esclarecida. Os portugueses têm o direito de saber se podem ou não confiar na segurança da residência oficial do seu Presidente da República.

Escolhi este momento e não um anterior, por considerar que esta é a altura oportuna para falar ao país. O Presidente da República escolhe os seus tempos e não se deixa influenciar por pressões de qualquer espécie.1

Respondendo ao essencial da questão, e não obstante a existência de falhas, como em qualquer rede, a Presidência da República baseia as suas comunicações num sistema seguro. Isso mesmo foi-me garantido pelos serviços do Estado a quem cabe zelar por estas questões.2

Sobre o essencial das notícias divulgadas, não lhes atribuo qualquer credibilidade. Confio no meu staff e confio, em particular, no assessor do Palácio de Belém visado pelos órgãos de comunicação social.3

Não obstante, como é do conhecimento público, o Dr. Fernando Lima foi por mim mudado de funções. Fi-lo porque, ainda que não acredite no seu envolvimento neste caso, entendo ser meu dever proteger a Presidência da República de quaisquer dúvidas.4

O país atravessa um momento político delicado, a par de uma situação económica difícil. O Presidente da República é e será sempre factor de estabilidade. Devemo-nos concentrar na tomada de posse de um novo Governo e no início de uma nova legislatura. Os portugueses exigem que os órgãos de soberania do país sejam capazes de resolver os problemas da Nação e para isso as instituições democráticas devem funcionar regularmente. Esta é a minha verdadeira preocupação. Tudo o resto não passa de ruído eleitoral que deve ser sanado.5

Termino, garantindo que, por parte do Presidente da República, este assunto encerra aqui. Estou certo que os partidos políticos terão a mesma atitude. O país precisa do esforço de todos e os portugueses precisam de saber que podem contar com o empenho da sua classe política. Quero que saibam que podem contar com o vosso Presidente da República.

Boa noite.



1. Justificação para o tempo escolhido, explicando o porquê de falar agora e não antes, como todos os comentadores e partidos políticos esperavam. Sinal de poder: O Presidente gere o seu tempo político.

2. As comunicações. O sinal de segurança aos portugueses. Reconhece que o sistema de comunicações não é perfeito - nenhum o é - mas assegura a sua confidencialidade.

3. Para sua defesa e para acabar com a polémica, o Presidente retira a credibilidade às notícias publicadas e afirma confiança no seu staff.

4. Contudo, explica ao país o porquê da sua decisão de mudar Fernando Lima de funções: Quis proteger o Palácio e poupar os portugueses a mais polémicas e suspeitas.

5. Recoloca as atenções políticas no que realmente importa. Desvaloriza o episódio e mostra postura de Estado.
Como se não nos bastassem duas eleições num ano, ainda arranjámos uma terceira. Esta estranha combinação de actos eleitorais, originada pelo acaso, bem sabemos, condenou as autárquicas a um certo segundo plano (ou terceiro, se quisermos), para o qual o Presidente da República, com os seus silêncios perturbadores e com o seu discurso ruidoso em muito contribuiu.

Adiante.

A verdadeira revolução autárquica acontecerá daqui por quatro anos, quando, fruto da actual lei de limitação de mandatos, muitos dos actuais presidentes da Câmara (e de Junta, se quisermos ser justos) abandonarão o poiso. O mandato que se iniciará depois das eleições de 11 de Outubro será, por isso, interessante de acompanhar, com as máquinas partidárias, parece-me óbvio, a lançarem, lá para 2011, os “senhores que se seguem” nos feudos em que este país está dividido.
Nesta corrida, sigo com particular interesse algumas disputas da Área Metropolitana de Lisboa:


António Costa vs Santana Lopes

O confronto que concentra todas as atenções. Porque é Lisboa, a capital. Porque é Santana (PSD) e porque é Costa (PS). O primeiro equilibrou as contas da autarquia, no seu “meio mandato”, o segundo é um fenómeno de sobrevivência política.


Fernando Seara vs Ana Gomes

Quando, há dois mandatos, Seara (PSD) ganhou a câmara a Edite Estrela o país político – o seu próprio partido – surpreendeu-se. Ana Gomes (PS) é um “peso pesado” do PS e uma não alinhada. Oito anos depois, estará Seara em forma para resistir à combativa adversária?


Maria Emília de Sousa vs Paulo Pedroso

Maria Emília de Sousa (CDU) teve um mandato difícil. As obras do metro de superfície deixarem insatisfeitos muitos munícipes. Mas a obra acabou e o ruído silenciou. Maria Emília é uma das veteranas das autarquias. Deve ganhar. A questão é saber que valor político tem Paulo Pedroso (PS), depois da novela onde esteve envolvido.


Susana Amador vs Hernâni Carvalho

Incomoda-me sempre um jornalista que concorra a cargos políticos, mas Hernâni Carvalho (PSD) está no seu direito e quanto a isso, nada a fazer. A curiosidade aqui está em saber que credibilidade o eleitorado atribui ao senhor “Crime diz ele”. Susana Amador (PS) não terá uma tarefa fácil, o seu oponente é um notável com grande aceitação popular.


Maria Amélia Antunes vs Lucília Ferro

A histórica Socialista enfrenta a sua última batalha eleitoral autárquica. É a luta pela sobrevivência. Apesar de ter maioria absoluta, a margem é agora mais curta. O PSD de Lucília Ferro tem feito uma campanha determinada, em contraponto com a aparente excessiva confiança da obra feita de Maria Amélia Antunes (PS).


No Seixal, um dos últimos redutos – “avante camarada, avante” – comunistas, Alfredo Monteiro deve vencer sem grandes alaridos. As concelhias já sabem que 2013 é o ano para jogar forte e por isso limitam-se, nestas eleições, à gestão corrente de candidatos.

Em Oeiras, o interesse está em perceber como é que o eleitorado reage à condenação, em Primeira Instância de Isaltino Morais. O que falará mais alto, afinal? A obra ou os valores?

29 de setembro de 2009

Say what?

Perdi os últimos minutos a tentar perceber o verdadeiro significado da comunicação ao país de Cavaco Silva. Fiquei sem perceber se o Presidente acha que houve escutas ou não. Quer dizer, parece que não, mas como ele não o disse explicitamente, fica a incerteza.

O discurso foi tudo menos claro. Ambíguo, como toda a história, de resto. E, sinceramente, quando andamos cheios de perguntas na cabeça, tudo aquilo de que não precisamos é de um Presidente da República que se ocupe a confundir-nos ainda mais. Além de que agradeço que o meu Chefe-de-Estado guarde para si as suas próprias emoções. A sério.

28 de setembro de 2009

Quando o inacreditável acontece em São Tomé

Daqui.

Um mote

A C., pessoa porque quem tenho grande estima (especialmente quando ela vai dois passos à minha frente e usa calças justas), reuniu dois homem, eu e outro, e combinou uma orgia. Como não sou esquisito, disse que sim, mas aí ela mudou de ideias e afinal já não há loucuras nos lençóis para ninguém, apenas um tremendo orgasmo intelectual em perspectiva.

A partir de agora será assim: Eu, ela e o outro vamos escrever, once a week, um texto sob o mesmo mote. Ou seja, todos os domingos, rotativamente, um dos três dará um mote do qual sairão, às quintas-feiras, extraordinárias obras literárias... ou inqualificáveis narrativas de terceira categoria.

Tendo em conta que, além de mim e da C. o outro participante assina um blogue que se chama "Sexo (ou) Posto" quero avisar que tudo farei para que, no fim, eu fique com o sexo e ele com o posto, que eu dispenso títulos. Enfim, contingências da vida.

Esta quinta-feira esperem o primeiro texto. O mote é: "Depois da decisão errada".

27 de setembro de 2009

Nunca ninguém perde eleições. Esta noite, ao que parece, todos ganharam, menos o partido vencedor. O Partido Socialista, que teve mais votos e elegeu mais deputados do que todos os outros candidatos, não ganhou porque perdeu a maioria absoluta. Todos os outros ganharam porque tiram a maioria ao Partido Socialista. Estou baralhado.

Está é...

... uma grande primeira página.

26 de setembro de 2009

Estou a pensar no assunto

Estou convencido de que não é difícil chegarmos a um consenso em torno do facto dos "dias de reflexão" que antecedem qualquer eleição serem um grande disparate. No meu caso, que nem estou em Portugal e não me inscrevi no Consulado (da última vez que fui um bom cidadão o Estado cobrou-me a ousadia em 1500 euros de IRS), a reflexão resume-se a este post. Para a generalidade dos Portugueses o Sábado terá continuado a ser dia de Jumbo.

Se pensarmos bem, o dia de reflexão é até uma espécie de censura pela qual somos obrigados a ficar de bico calado sobre as nossas preferências político-partidárias, para não perturbarmos a meditação dos nossos concidadãos. Mas ok, vamos lá reflectir.

Ora, vamos votar em quem? Nas escutas a Belém, no Fernando Lima (ele é candidato, não é?) ou na Manuela Moura Guedes? É que, afinal, foi sobre isso que passámos 15 dias a ouvir falar.

25 de setembro de 2009

23:18

O telefone tocou. Mensagem. A mensagem de um colega e amigo, dentro do avião, prestes a deslocar de Luanda para Lisboa. Dizia assim: "Sei que tentaram boicotar o teu trabalho e tu deste a volta por cima. Acho que és um excelente profissional". Não vale a pena, sinceramente, explicar o contexto em que ela surge, mas surgiu na altura certa, no final de três dias muito complicados, em que precisei de apelar tanto à minha escassa autoridade, como à destreza na retórica. Ao lê-la, pensei qualquer coisa como - o inglês compromete menos - my job is done e respirei de alívio.

Quando aceitei vir para Angola, não fazia ideia do que a estadia me reservaria. Sei - e acaba aqui o que percebo - que em nenhum dos meus planos imaginei qualquer coisa de parecido àquilo que experimentei ao longo deste ano e mais algum. Para dizer a verdade, o inexplicável e o inenarrável são as únicas certezas com que a vida em Luanda pode contar.

Descobri o que custa estar longe de casa, senti saudades do cheiro da minha terra e aprendi a dar valor ao que é “nosso”. E foi bom sentir tudo isso.

Fiz coisas que nunca tinha feito. Gostei de algumas e detestei outras. Mas fiz. Fiz tudo o que sabia – mais o que aprendi a - fazer e é por isso que me vou embora.

Deixo a televisão e volto às palavras escritas e impressas. Só não devo é voltar para casa. A itinerância continua já a seguir, numa outra paragem.

23 de setembro de 2009

Cristina, essa mulher sem lei

A história de Cristina Araújo é triste pela forma, conteúdo e mensagem subliminar. A espertalhona, que já foi apanhada 38 vezes a conduzir sem carta de condução, é a perfeita representante de uma certa forma de ser português que ainda persiste: Aqueles que acham que a lei é feita para todos, sim, desde que com a sua própria e devida excepção. Estes sujeitos continuam a povoar o país e a ridicularizar qualquer tentativa de civilização que possa ser feita.

Ao que parece, agora, Cristina foi mandada parar pela polícia quando ia para a aula de código, como se isso, para o caso, serviço de atenuante, até porque estava, claro, a conduzir. A mulher é um paradigma de como, ao fim de tantos anos de Nação, continuamos a ser capazes do pior.

Tudo isto seria engraçado, se não fosse trágico. Lamentavelmente, Portugal está cheio de "Cristinas" do Minho ao Algarve. Gentinha que não perde uma oportunidade de passar a perna à lei e gozar descaradamente com qualquer tentativa de autoridade. Felizmente, não somos todos assim. Se fossemos, Portugal seria uma selva. Ainda há esperança, portanto.

22 de setembro de 2009

A vida privada de Salazar

Fui ver este filme. Tem uma história fraquinha, com mulheres a entrarem e a sairem de cena. Só.
O grande mérito da película é fazer do nosso ditador uma putinha atrevida e admitamos que há um lado cómico nessa aproximação.
Além disso, Diogo Morgado está muito bem, Soraia Chaves sempre no mesmo registo de galdéria (será que ela já percebeu que só faz papeis assim?) e a Maria João Pinho tem um je ne sais quoi muito agradável à vista. E como o cabelo ruivo lhe fica bem.

21 de setembro de 2009

Com a melhor das intenções

Saí de casa cheio de boas intenções. Queria chegar e escrever um post sobre os sapos que não me deixaram dormir. Só que, a caminho da estação, cruzei-me com um miudo, com não mais de 10 anos, descalço, completamente drogado, a arrastar-se no meio da estrada e percebi, como se já não soubesse, que a minha vida não é assim tão má.

19 de setembro de 2009

Muito tempo, nem tanto assim. A Saudade. E.

E um ano é muito tempo. Muito tempo para se estar longe. E um ano é muito [pouco] tempo para não fazer caso disso.

Tempo que chegue para desorganizar recordações e mudar - os - hábitos. Já não adormeço com a televisão ligada ou com os óculos postos (não adormeço mesmo, mãe!). Não tomo cinco cafés por dia. Os óculos ficam na cabeceira, já não adormeço com eles.

Não vou à missa ao domingo depois de dar catequese. Não dou catequese. Não vou ao café ao domingo, depois da missa a que não faltava depois da catequese. Já não vou à missa ao domingo. Continuo a não apagar a luz. Adormeço antes de conseguir, mas não tomo cinco cafés por dia.

Um ano é muito tempo. Muito tempo e A Saudade. A do que, do que eu estou a perder. Do que eles estão a fazer sem mim, porque podem - isso - sozinhos. Hoje é Sábado e amanhã não vou dar catequese, mas a catequese vai lá estar. Não vou à missa, mas a missa vai lá estar. Hoje é Sábado, amanhã é domingo e eu não vou ao café depois da missa. Olha, não vou e é disso que tenho Saudade. Do que [não] vou fazer amanhã. A pior saudade é a do presente que não estás a viver.

Estão lá todos e eu não. E a vida a passar e eu não [estou].

Duas perguntinhas:

As perguntas foram respondidas. Eternamente agradecido

18 de setembro de 2009

O poder da imagem

A sondagem de ontem no Diário de Notícias prova duas coisas, a primeira das quais uma “não notícia”: Sócrates é televisivamente muito melhor do que Manuela Ferreira Leite; Sócrates não está vencido.

Feita antes do duelo “Fedorento”, a sondagem prova ainda que Portugal entrou definitivamente na era da televisão. Daqui para a frente, as campanhas e a política serão necessariamente diferentes, ainda que não orbigatoriamente melhores. Os políticos e as máquinas partidárias - com as agências de comunicação que contrataram - perceberam o poder da imagem (perceberão ainda melhor depois das sondagens feitas a seguir ao programa do Ricardo Araújo Pereira e dos outros três) e é por isso que todas as agendas pré-eleitorais convergem num ponto: o boneco televisivo.

Manuela Ferreira Leite pode ser o anti-político, mas o eleitor não quer anti-políticos. O eleitorado quer quem fique bem no ecrã. E Sócrates fica. Assim como fica Louçã (12%). E daqui por diante, venham denuncias, suspeitas e acusações.

Se a política fosse música, os partidos bandas pop e as eleições o Ídolos, ganharia quem tivesse a melhor melodia, mesmo que ninguém percebesse nada a letra.

16 de setembro de 2009

Viver em Luanda

Levo um ano e tal de Luanda. Angola está na moda e [quase] toda a gente quer vir para cá, gostava de querer ou já pensou em. Fica um post de serviço público sobre este admirável mundo novo. O texto destina-se a quem está de malas feitas ou a pensar nisso… para que se deixem de ilusões.

Luanda não é Angola e Angola não é só Luanda. Hoje vamos falar de habitação, transportes, compras e vida em geral. Destaco palavras-chave, para que se orientem.


Habitação

Luanda tem três áreas habitacionais distintas. O centro da cidade, todo ele com construções antigas, do tempo colonial e prédios que fazem lembrar a Amadora dos anos 60, sem obras desde então. Existem também, na Maianga ou no Bairro Azul, algumas vivendas da mesma época, embora em melhor estado de conservação. Desconheço o preço do aluguer de uma vivenda, mas sei que nos apartamentos as rendas mensais rondam os 3000 / 4000 dólares.

À volta do centro estão os musseques. Estes “bairros da lata” não obedecem a nenhum tipo de ordenamento e, em alguns casos, como o Cassenda, junto ao aeroporto, confundem-se com o que já foram zonas ordenadas. O saneamento básico, projectado para um número bem inferior de moradores, não consegue responder às necessidades actuais e por isso é frequente existirem verdadeiras lagoas disso que estão a imaginar. Nos musseques existem casas de três tipos: vivendas recuperadas, com altos muros e um segurança à porta, casas e anexos de tijolo, com telhado de chapa, sem tecto e sem água (a não ser em balde) e casas de chapa. A renda de uma casa de tijolo com dois quartos, sala e wc, mesmo sem água, ronda os 700 a 800 dólares. Aumentará se precisarem de mais espaço. Comprar um terreno nestes bairros é um risco. Muitos são vendidos a várias pessoas e o dinheiro acaba por ser deitado fora.

Em Luanda Sul está a crescer a “cidade nova”. Talatona assemelha-se a uma cidade europeia, com ruas alcatroadas, iluminação pública e relativa segurança. As casas são de acordo com os padrões europeus, os preços é que não. Luanda Sul é a capital dos condomínios, ocupados quase todos por expatriados. Um T3 pode custar, mensalmente, 20 mil dólares. Comprar casa nesta área pode significar desembolsar entre 1 a 5 milhões de dólares.

Uma nota ainda para o projecto Nova Vida. É um bairro militar, construído pelo Governo. Parece um bairro social, mas é uma zona tranquila, embora sem os luxos de Talatona. As casas são maioritariamente atribuídas pelo Estado, pelo que só em regime de subarrendamento é possível alugar habitação no local. Rendas entre 3 e 5 mil dólares.


Transportes

“Luanda é um caos”. Provavelmente já terão ouvido esta expressão da boca de alguém que está ou esteve recentemente na capital angolana. A mais pura das verdades. Uma viagem entre o centro e a periferia, à distância de 10 quilómetros, pode levar 3 horas. A circulação dentro da própria cidade é infernal desde as seis da manhã e até às 22. O domingo, quando está tudo fechado, é o único dia razoável para se sair de casa.

Um empresário brasileiro dizia-me há dias que “tudo quanto é negócio de carro resulta em Luanda”. O homem estava certo. São milhares (milhões?) de carros nas esburacadas ruas da capital. O desfile de viaturas é digno de registo. Entre, velhos Starlets (que, com 15 anos, custam 6000 dólares) e potentes Hummers, Tundras e Escalades, estes importados directamente dos Estados Unidos. Nenhuma outra cidade terá tantos 4x4 como Luanda.

A falta de transportes públicos agrava a situação. A TCUL – Transportes Colectivos Urbanos de Luanda e a Macon são as principais empresas, mas a sua frota é escassa, passa a maior parte do tempo avariada e tem dificuldades de circulação por entre o trânsito caótico em quase todas as artérias. As viagens custam 30 kwanzas (30 cêntimos de euro).

E eis-nos chegados aos táxis. Os táxis não são como nós os conhecemos. Esqueçam as filas de Mercedes à espera de passageiros. Táxi, aqui, é carrinha Hiace (“iáce”, como pronunciam os angolanos) de nove lugares, onde nunca vão menos de 12 passageiros. Os “taxistas” conduzem que nem uns loucos, sobem passeios, andam em contramão, param onde lhes apetece, mas são responsáveis por manter a cidade em funcionamento. Quando a polícia decide apreender carrinhas ilegais, a cidade cai na quase ruptura absoluta, as pessoas não aparecem para trabalhar, o trânsito aumenta e o cenário é apocalíptico. As viagens podem custar 100 a 150 kwanzas e há quem precise de apanhar cinco táxis diferentes para chegar de um sítio a outro na cidade.


Compras

Luanda é uma cidade cara. O facto de ser deficitária em termos produtivos leva a que quase tudo tenha de ser importado. A escassez de oferta faz aumentar os preços e o tempo que os cargueiros esperam para atracar (várias semanas, por vezes) no saturado Porto de Luanda não ajuda. Chegam a estar 80 navios ao largo, em lista de espera.

Para comprar bens essenciais existem cadeias de supermercados e pequenos minimercados ou cantinas, como são apelidadas as lojas de bairro.

O Shoprite, o Mundo Verde e o Nosso Super têm os preços mais populares, embora continuem caros. A Casa dos Frescos é a loja dos expatriados endinheirados, com todas as marcas de um qualquer Pingo Doce português, mas onde um pack de quatro Suissinhos pode custar 15 euros e onde eu já paguei – sou um excêntrico – 2000 kwanzas (20 euros) por uma caixa de gelado Olá.

Outra forma de comprar é no mercado informal, ou na zunga. À beira da estrada, no meio do trânsito. Os preços são mais baratos – continuando caros – porque os vendedores compram directamente nos armazéns. Há de tudo – fruta, legumes, bolachas, ovos, ferros de engomar e móveis para a casa - e chega a ser pitoresco. Quem é que não acha piada a um sofá à venda no passeio?

A comida é cara. Não será à toa que a base da alimentação é o feijão e o funge (papa feita com farinha de mandioca ou milho).


Vida em geral

… telecomunicações

Existem duas redes móveis e uma fixa. A saber: Unitel, Movicel e Angola Telecom. A primeira e a última são do Estado. A do meio é “mais ou menos” privada (os privados aqui são sempre só “mais ou menos” privados). A Unitel tem cinco milhões de clientes e é a principal rede do país. Tem muitas falhas e entope à sexta-feira, altura em que, durante horas, é difícil fazer qualquer ligação. Funciona o sistema de pré-pago, com os clientes a comprarem os cartões na rua (raspam-se, tal Lotaria Instantânea) ou a levantarem um talão com um código de recarga no ATM.

Por falar nisso, os ATM estão quase sempre fora de serviço ou sem dinheiro. A rede chama-se Multicaixa, e só nalguns terminais são aceites cartões Visa (para levantamentos internacionais, por exemplo). Os cartões Maestro não são aceites. Nas lojas, os terminais de pagamento, quando existem, estão muitas vezes fora de serviço.

A internet mais rápida no país é a 4 mb/s, oferecida pela Tv Cabo. Está acessível apenas nalgumas zonas da cidade e o preço é de 450 dólares. Existem preços - e velocidados - mais baixos. Unitel e Movicel têm internet móvel, mas o serviço tem muitas falhas, embora venha a melhorar desde a sua entrada em funcionamento.

Como se subentende pelo parágrafo anterior, há televisão por cabo e os preços são razoáveis, com todos os canais a que estamos habituados (Fox e Axn também, descansem). O campeão de vendas é, contudo, o serviço satélite, mais barato e com o mesmo pacote de canais da Tv Cabo.

… outros serviços

Luz é água são bens escassos em Luanda. É frequente o corte durante horas ou mesmo dias. Há zonas da cidade onde, simplesmente, não existe fornecimento. A solução adoptada por muitos passa por comprar um gerador próprio, para a electricidade, e um tanque de água que é depois abastecido por um camião cisterna.

… segurança

Luanda é uma cidade insegura. Os assaltos são frequentes. Telemóveis, computadores pessoais e, claro, dinheiro são os alvos principais dos “amigos do alheio”. Há que ter alguns cuidados: evitar andar a pé na rua em especial durante a noite; trancar as portas do carro; de noite, não parar nos semáforos e, acima de tudo, não confiar na sorte. Uma atitude consciente e defensiva é sempre a mais prudente. Em caso de assalto, raramente há violência. Embora os delinquentes andem quase sempre armados, só usarão a arma (e usam) se houver resistência. Para mim, a vida tem mais valor que um iPhone, mas isto sou eu a falar.

… enviar dinheiro para o estrangeiro

É difícil. Até há uns meses atrás era relativamente fácil enviar dinheiro para fora, mas com a escassez de dólares no mercado e com a crise (também aqui, sim!) a situação complicou-se. Pelo banco, o Governo obriga à apresentação de um atestado de residência e do contrato de trabalho, este último uma miragem para muitos trabalhadores estrangeiros em Angola. Existem alguns balcões da Western Union e semelhantes onde é mais fácil o envio, embora limitado a uma determinada quantia mensal.

… as pessoas

É como em tudo, há gente boa, gente assim-assim e gente má. Em geral, o angolano tem pouca responsabilidade, mas isto é uma coisa que se constrói com o tempo. Há uma nacional dificuldade em se cumprir um horário e a palavra dada é só palavra dita. Contudo, as pessoas genuínas são verdadeiras. Convém andar sempre com uns kwanzas no bolso, podem dar imenso jeito.

… lazer

Luanda não é uma cidade com muitas ofertas de lazer. Talvez por isso o Belas Shopping, o único centro comercial a funcionar (apesar de existirem muitos outros já em projecto ou mesmo em construção), seja, ao domingo, sítio de romaria e um local a evitar. O Belas que é aproveitado como cenário bucólico para fotografias de casamento. Às quintas e sextas é ver as comitivas em animados desfiles por entre lojas e corredores. O Cineplace, um complexo com oito salas de cinema – as únicas no activo – está lá instalado.

Quem procura diversão nocturna vai à Ilha, que é apenas uma península e que não deve ser confundida com o Mussulo. O Chillout é o ponto de encontro dos portugueses, com música House. Faz lembrar as discotecas lisboetas, mas ao ar livre. Miami Beach, Caribe e Jango Veleiro são outros nomes a decorar. Fora da Ilha do Cabo (ou de Luanda, como é coloquialmente chamada), o Palos é a Meca da noite. Por ter sido a primeira e pelo seu dono, o exuberante Paulo Von Haff, a discoteca / bar tem às quintas-feiras a sua grande noite semana. São as noites latinas. Se estiverem à procura de sons mais tradicionais, vulgo Kizomba, Don Q e W são os sítios onde querem ir.

Morreu de doença prolongada

Não sei o que é que se passa com a espécie humana, mas tenho para mim que coisa boa não é de certeza. Já repararam na quantidade de gente que, todos os anos, morre de “doença prolongada”?

Como sabemos, morrer de doença prolongada é, quase sempre, eufemismo para bater a caçoleta com um cancro e eu não me lembro de nos meus primeiros anos de vida assistir a este corrupio de óbitos tão sofridos. O que me chateia na morte não é tanto o acto em si. Havendo vida depois dela, encontramo-nos por lá. Não havendo, paciência… estarei morto, de qualquer maneira. O que me aborrece na morte é a possibilidade de ter consciência de que o meu desfecho está para breve. Detestaria que me dessem uma deadline para eu fazer tudo aquilo que ainda espero conseguir acabar.

As “doenças prolongadas” não são, não o são sempre, pelo menos, uma sentença de morte. Mas depois da fatídica conversa com o médico, o que é que poderia esperar do meu futuro? De que é que me valeria a vida sem imprevisibilidade?

Se morresse agora, sendo súbito, deixaria uma família desgostosa, um ou outro amigo entristecido e duas repórteres aliviadas (elas acham-me um horror porque as obrigo a fazer guiões e planos de reportagem). Contudo, nada disso me ralaria por aí além. O súbito costuma ser muito rápido e alguém haveria de fechar o programa desta semana e transferir o dinheiro para Portugal. Preferiria assim.

Antigamente, as pessoas morriam de velhas. Agora morrem de coisas terríveis que as levam para uma espiral de sofrimento durante anos.

Por isso é que eu acho que as doenças prolongadas foram feitas para serem vencidas com medicina e força de vontade. Elas são só chatas, como o IRS. Se fossem a sério levavam-nos num instante.

14 de setembro de 2009

"Quero ser gigolo"

A frase que aparece no título deste post foi escrita por alguém de quem, com alguma pena, desconheço a identidade. Com efeito, certo sujeito veio ter ao meu blog, a este post em particular, com uma enorme vontade de virar prostituto.

Reconheço que, em dias como os de hoje, qualquer saída é boa para a crise. O empreendedorismo é fabuloso e pode ser a solução ao desemprego galopante. Agora, daí até vendermos a gaita (ou o rabinho, depende da área de acção) para pagar a hipoteca, enfim, enfim. Mas claro, isto também sou só eu a especular. O leitor de ocasião pode perfeitamente ser, apenas e só, um curioso com um grande interesse pelo sexo profissional e se for isso, compreendo-o perfeitamente.
Eu próprio, há 20 quilos atrás, pensei em arrendar partes do meu corpo por uns trocados. Mudei de ideias e acabei por me tornar jornalista. Continuo sem saber se tomei a decisão certa.

Em Cabo Verde

E com este ficam registados trabalhos publicados em cinco países: Canadá, França, Angola, Cabo Verde e, obviamente, Portugal.

Aquele de quem (quase) ninguém fala

Chegou meia hora antes do combinado. Trazia um pequeno bloco, o telemóvel e uma esferográfica. Nada – do telemóvel à caneta – particularmente vistoso. Dez minutos antes da hora prevista entrámos para o estúdio, dei-lhe as coordenadas e começámos a gravar.

Foram os meus primeiros 45 minutos com alguém que diz que “Mário Machado é um preso político”, que crítica os imigrantes, mas que viveu alguns anos fora do país e que tem em Salazar, se não um ídolo, pelo menos uma referência.

José Pinto Coelho não me assusta. Nem ele, nem o Partido Nacional Renovador. Quando há quase dois anos o entrevistei, percebi quão inconsequentes são as suas palavras. Tão surreais quanto necessárias.

Não me choca que haja quem pense assim. É normal, até. Se há quem seja capaz de afirmar que o Holocausto não existiu, parece-me razoável que haja quem recorde com saudade o Estado Novo – mesmo que dele só tenha ouvido falar nos livros de história.

Prefiro assim. Não concordo com ele – com eles – mas deixa-me mais descansado o facto de ter tempo de antena e que haja quem assumidamente o oiça e siga. Prefiro assim, porque é da maneira que conseguimos saber quem são e onde andam os tipos que querem "tomar isto de assalto".

Perguntei-lhe quase tudo: Considera-se um homem racista ou xenófobo? Revê-se nas posições racistas do seu amigo Mário Machado? Tem saudades do Portugal de António de Oliveira Salazar? Se fosse Governo, expulsaria os imigrantes? E se os países que acolhem portugueses fizessem o mesmo com eles, o que é que lhes fazíamos quando voltassem em massa para o país? Confrontei-o também com a sua experiência de emigrante.

A entrevista com o José Pinto Coelho foi das mais interessantes que fiz até hoje. Estou habituado a entrevistar políticos e a desmonta-los. Com o presidente do PNR não foi preciso grande esforço. O homem é um livro aberto, que diz o que pensa, mesmo que sejam só disparates – e não são. E essa liberdade de dizer o que lhe vai na alma – a maior conquista do regime que ele afincadamente crítica – tem tanto de peculiar como de pragmático. E eu gosto de gente prática.

9 de setembro de 2009

Os mosqueteiros

O político por excelência. É fácil não acreditar nele, mas percebe como poucos o modus operandi da real politics. Os anos de parlamentar - que fizeram dele um bom orador - contribuem para que se saia quase sempre bem nos debates e entrevistas. Se não pelo conteúdo, pela forma.


A velha escola. A política como ela já não é e não necessariamente melhor, só menos espectacular. Manuela aparenta ser aquilo não é, porque simplesmente nenhum político é tão puro, tão sincero e tão sério como ela quer que os eleitores acreditem. Não lhe faltarão ideias, falta-lhe apenas outro penteado, porque um bom cabelo faz toda a diferença.


O comunista. A figura do povo, o homem que cativa mais simpatia do que votos. O que lhe sobra em sonho – porque o mundo não é como Marx e Lenine o desenharam – falta-lhe em realismo. Será sempre igual a si próprio, como o partido que lidera. Se fosse diferente não seria PC.


O iluminado. A esquerda progressista e o dilema: Louçã sabe que o seu eleitorado está prestes a “pedir” mais do que ideias bonitas. Para o bem e para o mal, o futuro do Bloco passará sempre, a médio prazo, por uma experiência governativa. Vicissitudes de se ser um partido doutrinário e não ideológico.


A “Maria vai com todas”. Ele sabe que a sua margem de crescimento será sempre diminuta. Um país em crise, não vota direita. Um país em crescimento, não quer saber de alternativas ao “centrão”. Portas é o CDS e o CDS é tão vazio que dá-se bem em qualquer clima.

Bricolage

Estava aqui na minha sessão de bricolage bloguistica e lembrei-me de resgatar alguns dos headers que fizeram a história deste blog. Não tenho todos, mas a grande maioria ainda resiste à passagem do tempo. São mais de três anos de blog contados em imagens.

2006

2006

2007
2007
2008

2009

4 de setembro de 2009

Planos para o fim-de-semana?

Está tudo aqui.

As saudades que eu tinha disto...

Fazer televisão é muito giro, mas do que eu gosto mesmo é de escrever. Esta fez capa da revista Vida, suplemento do semanário O País, um jornal do grupo. É clicar nas imagens para ampliar, é clicar para ampliar, é clicar... é isso.