Levo um ano e tal de Luanda. Angola está na moda e [quase] toda a gente quer vir para cá, gostava de querer ou já pensou em. Fica um post de serviço público sobre este admirável mundo novo. O texto destina-se a quem está de malas feitas ou a pensar nisso… para que se deixem de ilusões.
Luanda não é Angola e Angola não é só Luanda. Hoje vamos falar de habitação, transportes, compras e vida em geral. Destaco palavras-chave, para que se orientem.
Habitação
Luanda tem três áreas habitacionais distintas. O centro da cidade, todo ele com construções antigas, do tempo colonial e prédios que fazem lembrar a Amadora dos anos 60, sem obras desde então. Existem também, na
Maianga ou no
Bairro Azul, algumas vivendas da mesma época, embora em melhor estado de conservação. Desconheço o preço do aluguer de uma vivenda, mas sei que nos apartamentos as rendas mensais rondam os 3000 / 4000 dólares.
À volta do centro estão os
musseques. Estes “bairros da lata” não obedecem a nenhum tipo de ordenamento e, em alguns casos, como o Cassenda, junto ao
aeroporto, confundem-se com o que já foram zonas ordenadas. O saneamento básico, projectado para um número bem inferior de moradores, não consegue responder às necessidades actuais e por isso é frequente existirem verdadeiras
lagoas disso que estão a imaginar. Nos musseques existem casas de três tipos: vivendas recuperadas, com altos muros e um segurança à porta, casas e anexos de tijolo, com telhado de chapa, sem tecto e sem água (a não ser em balde) e casas de chapa. A renda de uma casa de tijolo com dois quartos, sala e wc, mesmo sem água, ronda os 700 a 800 dólares. Aumentará se precisarem de mais espaço. Comprar um terreno nestes bairros é um risco. Muitos são vendidos a várias pessoas e o dinheiro acaba por ser deitado fora.
Em Luanda Sul está a crescer a “cidade nova”.
Talatona assemelha-se a uma cidade europeia, com ruas alcatroadas, iluminação pública e relativa segurança. As casas são de acordo com os padrões europeus, os preços é que não. Luanda Sul é a capital dos condomínios, ocupados quase todos por expatriados. Um T3 pode custar, mensalmente, 20 mil dólares. Comprar casa nesta área pode significar desembolsar entre 1 a 5 milhões de dólares.
Uma nota ainda para o projecto
Nova Vida. É um bairro militar, construído pelo Governo. Parece um bairro social, mas é uma zona tranquila, embora sem os luxos de Talatona. As casas são maioritariamente atribuídas pelo Estado, pelo que só em regime de subarrendamento é possível alugar habitação no local. Rendas entre 3 e 5 mil dólares.
Transportes
“Luanda é um caos”. Provavelmente já terão ouvido esta expressão da boca de alguém que está ou esteve recentemente na capital angolana. A mais pura das verdades. Uma viagem entre o centro e a periferia, à distância de 10 quilómetros, pode levar 3 horas. A circulação dentro da própria cidade é infernal desde as seis da manhã e até às 22. O domingo, quando está tudo fechado, é o único dia razoável para se sair de casa.
Um empresário brasileiro dizia-me há dias que “tudo quanto é negócio de carro resulta em Luanda”. O homem estava certo. São milhares (milhões?) de carros nas esburacadas ruas da capital. O desfile de viaturas é digno de registo. Entre, velhos Starlets (que, com 15 anos, custam 6000 dólares) e potentes Hummers, Tundras e Escalades, estes importados directamente dos Estados Unidos. Nenhuma outra cidade terá tantos 4x4 como Luanda.
A falta de transportes públicos agrava a situação. A TCUL – Transportes Colectivos Urbanos de Luanda e a Macon são as principais empresas, mas a sua frota é escassa, passa a maior parte do tempo avariada e tem dificuldades de circulação por entre o trânsito caótico em quase todas as artérias. As viagens custam 30 kwanzas (30 cêntimos de euro).
E eis-nos chegados aos
táxis. Os táxis não são como nós os conhecemos. Esqueçam as filas de Mercedes à espera de passageiros. Táxi, aqui, é carrinha Hiace (“iáce”, como pronunciam os angolanos) de nove lugares, onde nunca vão menos de 12 passageiros. Os “taxistas” conduzem que nem uns loucos, sobem passeios, andam em contramão, param onde lhes apetece, mas são responsáveis por manter a cidade em funcionamento. Quando a polícia decide apreender carrinhas ilegais, a cidade cai na quase ruptura absoluta, as pessoas não aparecem para trabalhar, o trânsito aumenta e o cenário é apocalíptico. As viagens podem custar 100 a 150 kwanzas e há quem precise de apanhar cinco táxis diferentes para chegar de um sítio a outro na cidade.
ComprasLuanda é uma cidade cara. O facto de ser deficitária em termos produtivos leva a que quase tudo tenha de ser importado. A escassez de oferta faz aumentar os preços e o tempo que os cargueiros esperam para atracar (várias semanas, por vezes) no saturado Porto de Luanda não ajuda. Chegam a estar 80 navios ao largo, em lista de espera.
Para comprar bens essenciais existem cadeias de supermercados e pequenos minimercados ou cantinas, como são apelidadas as lojas de bairro.
O
Shoprite, o
Mundo Verde e o
Nosso Super têm os preços mais populares, embora continuem caros. A
Casa dos Frescos é a loja dos expatriados endinheirados, com todas as marcas de um qualquer Pingo Doce português, mas onde um pack de quatro Suissinhos pode custar 15 euros e onde eu já paguei – sou um excêntrico – 2000 kwanzas (20 euros) por uma caixa de gelado Olá.
Outra forma de comprar é no mercado informal, ou na
zunga. À beira da estrada, no meio do trânsito. Os preços são mais baratos – continuando caros – porque os vendedores compram directamente nos armazéns. Há de tudo – fruta, legumes, bolachas, ovos, ferros de engomar e móveis para a casa - e chega a ser pitoresco. Quem é que não acha piada a um sofá à venda no passeio?
A comida é cara. Não será à toa que a base da alimentação é o feijão e o
funge (papa feita com farinha de mandioca ou milho).
Vida em geral
… telecomunicações
Existem duas redes móveis e uma fixa. A saber:
Unitel,
Movicel e
Angola Telecom. A primeira e a última são do Estado. A do meio é “mais ou menos” privada (os privados aqui são sempre só “mais ou menos” privados). A Unitel tem cinco milhões de clientes e é a principal rede do país. Tem muitas falhas e entope à sexta-feira, altura em que, durante horas, é difícil fazer qualquer ligação. Funciona o sistema de pré-pago, com os clientes a comprarem os cartões na rua (raspam-se, tal Lotaria Instantânea) ou a levantarem um talão com um código de recarga no ATM.
Por falar nisso, os ATM estão quase sempre fora de serviço ou sem dinheiro. A rede chama-se
Multicaixa, e só nalguns terminais são aceites cartões Visa (para levantamentos internacionais, por exemplo). Os cartões Maestro não são aceites. Nas lojas, os terminais de pagamento, quando existem, estão muitas vezes fora de serviço.
A internet mais rápida no país é a 4 mb/s, oferecida pela
Tv Cabo. Está acessível apenas nalgumas zonas da cidade e o preço é de 450 dólares. Existem preços - e velocidados - mais baixos. Unitel e Movicel têm internet móvel, mas o serviço tem muitas falhas, embora venha a melhorar desde a sua entrada em funcionamento.
Como se subentende pelo parágrafo anterior, há televisão por cabo e os preços são razoáveis, com todos os canais a que estamos habituados (Fox e Axn também, descansem). O campeão de vendas é, contudo, o
serviço satélite, mais barato e com o mesmo pacote de canais da Tv Cabo.
… outros serviçosLuz é água são bens escassos em Luanda. É frequente o corte durante horas ou mesmo dias. Há zonas da cidade onde, simplesmente, não existe fornecimento. A solução adoptada por muitos passa por comprar um gerador próprio, para a electricidade, e um tanque de água que é depois abastecido por um camião cisterna.
… segurançaLuanda é uma cidade insegura. Os assaltos são frequentes. Telemóveis, computadores pessoais e, claro, dinheiro são os alvos principais dos “amigos do alheio”. Há que ter alguns cuidados: evitar andar a pé na rua em especial durante a noite; trancar as portas do carro; de noite, não parar nos semáforos e, acima de tudo, não confiar na sorte. Uma atitude consciente e defensiva é sempre a mais prudente. Em caso de assalto, raramente há violência. Embora os delinquentes andem quase sempre armados, só usarão a arma (e usam) se houver resistência. Para mim, a vida tem mais valor que um iPhone, mas isto sou eu a falar.
… enviar dinheiro para o estrangeiroÉ difícil. Até há uns meses atrás era relativamente fácil enviar dinheiro para fora, mas com a escassez de dólares no mercado e com a crise (também aqui, sim!) a situação complicou-se. Pelo banco, o Governo obriga à apresentação de um atestado de residência e do contrato de trabalho, este último uma miragem para muitos trabalhadores estrangeiros em Angola. Existem alguns balcões da Western Union e semelhantes onde é mais fácil o envio, embora limitado a uma determinada quantia mensal.
… as pessoas
É como em tudo, há gente boa, gente assim-assim e gente má. Em geral, o angolano tem pouca responsabilidade, mas isto é uma coisa que se constrói com o tempo. Há uma nacional dificuldade em se cumprir um horário e a palavra dada é só palavra dita. Contudo, as pessoas genuínas são verdadeiras. Convém andar sempre com uns kwanzas no bolso, podem dar imenso jeito.
… lazerLuanda não é uma cidade com muitas ofertas de lazer. Talvez por isso o
Belas Shopping, o único centro comercial a funcionar (apesar de existirem muitos outros já em projecto ou mesmo em construção), seja, ao domingo, sítio de romaria e um local a evitar. O Belas que é aproveitado como cenário bucólico para fotografias de casamento. Às quintas e sextas é ver as comitivas em animados desfiles por entre lojas e corredores. O
Cineplace, um complexo com oito salas de cinema – as únicas no activo – está lá instalado.
Quem procura diversão nocturna vai à
Ilha, que é apenas uma península e que não deve ser confundida com o
Mussulo. O
Chillout é o ponto de encontro dos portugueses, com música House. Faz lembrar as discotecas lisboetas, mas ao ar livre.
Miami Beach, Caribe e Jango Veleiro são outros nomes a decorar. Fora da Ilha do Cabo (ou de Luanda, como é coloquialmente chamada), o Palos é a Meca da noite. Por ter sido a primeira e pelo seu dono, o exuberante
Paulo Von Haff, a discoteca / bar tem às quintas-feiras a sua grande noite semana. São as noites latinas. Se estiverem à procura de sons mais tradicionais, vulgo Kizomba, Don Q e W são os sítios onde querem ir.